Montagens em
cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil
Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (15/10/2014)
Crítica/ Uma Relação
Pornográfica
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Casal de costas para o amor |
Philippe Blasband, o autor deste texto cujo
título é um simulacro do que as relações não revelam, reúne casal, sem nome,
identidade, profissão, história em encontros aparentemente fortuitos.
Impulsionados por suas fantasias e levados a se aproximar por aquilo que surge
para além do contato físico, desenvolvem afeto que os distancia da motivação
inicial. O que escapa ao acordo são os sentimentos que, ao longo do que vivem
semanalmente num hotel de casais, cada um percebe em si. O receio em se
envolver e de criar laços impede que os dois reconheçam a possibilidade de aceitar
a inesperada relação romântica. O medo difuso da entrega plena interrompe o que
nasceu como jogo sexual para se transformar na certeza da inevitabilidade da
solidão. Sustentada por diálogo de tensão interna, sem quebra do clima de
inquietação e com assepsia sensual, a narrativa recebe tratamento, igualmente
desidratado, do diretor Victor Garcia Peralta. Com o palco despojado de
adereços, apenas com duas cadeiras, e os atores em movimentos de evocativos de dança
de acasalamento emocional, Peralta constrói montagem de aparência simples e envolvência
delicada. O papel da iluminação de Maneco Quinderé é decisivo na criação da
atmosfera e ritmo cênicos no seu desenho ágil e complementar de apoiar o elenco
no balé do desencontro. A luz se torna um terceiro e atuante personagem. A
agilidade com que diretor e iluminador traçam a vinculação subjetiva do casal,
ameniza as oscilações e momentos de menor interesse do texto, mas incapaz de
superar alguma monotonia que ronda a ação
interior. Ana Beatriz Nogueira e Guilherme Leme Garcia adotam as figuras abstratas
dos personagens, projetando os perfis de rostos indefinidos e vozes de tempo e
lugar desconhecidos. Os intérpretes percorrem esse quadro indistinto,
sublinhando o caminho da emoção embutida, que não alardeia, apenas sussurra num
ato de contrição. Guilherme Leme Garcia assume nos silêncios e na descrição do ouvinte,
a sutileza Dele. Ana Beatriz Nogueira concentra a emoção na máscara e na fala
emocionais, a intensidade dos desejos abortados Dela.
Crítica/ Duas
Vezes um Quarto (2x1/4)
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Relações de amores sombrios |
São dois textos de Marcelo Pereira reunidos numa
montagem assinada por ele, que de certo modo e não apenas pela autoria comum,
mostram universo temático semelhante. Em A
Dama da Lapa, um homem e uma prostituta celebram acordo de relacionamento,
entre a estranheza e o doentio. Em Dilúvio
em Tempos de Seca, um escritor e uma modelo se refugiam num banheiro para
escapar da tempestade que assola o mundo exterior. Pereira constrói, como
metáforas da solidão e dos jogos de poder que governam as vidas daqueles que
vivem nas franjas da negação e impotência na expressão dos sentimentos, um
embate de afetos feridos. Com muitos volteios e carga verbal intensa, as duas
narrativas se mantém no plano expositivo, apresentando, continuamente os
personagens, como se quisesse fatiá-los em camadas de insatisfação. Parece
querer exibi-los mais do que revelá-los, carecendo de um corte mais vertical em
seus comportamentos. A ação, ainda
que apoiada na interioridade, prevalece como fixação da trama, em que as
situações são determinantes para esboçar os traços psicológicos e o excesso de
palavras para preencher o que não se alcança como atmosfera. A montagem,
ambientada em espaço duplicado de Paulo Denizot, estabelece com algum engenho,
paralelismo entre as cenas distintas. O elenco feminino (Carla Marins e Guta
Ruiz) impõe carga emocional maior do que o masculino (José Karini e Lucas
Gouvêa), que se empenha em atuação que procura ser mais detalhista.