quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Temporada 2014

Montagens em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (15/10/2014)

Crítica/ Uma Relação Pornográfica

Casal de costas para o amor
Philippe Blasband, o autor deste texto cujo título é um simulacro do que as relações não revelam, reúne casal, sem nome, identidade, profissão, história em encontros aparentemente fortuitos. Impulsionados por suas fantasias e levados a se aproximar por aquilo que surge para além do contato físico, desenvolvem afeto que os distancia da motivação inicial. O que escapa ao acordo são os sentimentos que, ao longo do que vivem semanalmente num hotel de casais, cada um percebe em si. O receio em se envolver e de criar laços impede que os dois reconheçam a possibilidade de aceitar a inesperada relação romântica. O medo difuso da entrega plena interrompe o que nasceu como jogo sexual para se transformar na certeza da inevitabilidade da solidão. Sustentada por diálogo de tensão interna, sem quebra do clima de inquietação e com assepsia sensual, a narrativa recebe tratamento, igualmente desidratado, do diretor Victor Garcia Peralta. Com o palco despojado de adereços, apenas com duas cadeiras, e os atores em movimentos de evocativos de dança de acasalamento emocional, Peralta constrói montagem de aparência simples e envolvência delicada. O papel da iluminação de Maneco Quinderé é decisivo na criação da atmosfera e ritmo cênicos no seu desenho ágil e complementar de apoiar o elenco no balé do desencontro. A luz se torna um terceiro e atuante personagem. A agilidade com que diretor e iluminador traçam a vinculação subjetiva do casal, ameniza as oscilações e momentos de menor interesse do texto, mas incapaz de superar alguma monotonia que ronda a ação interior. Ana Beatriz Nogueira e Guilherme Leme Garcia adotam as figuras abstratas dos personagens, projetando os perfis de rostos indefinidos e vozes de tempo e lugar desconhecidos. Os intérpretes percorrem esse quadro indistinto, sublinhando o caminho da emoção embutida, que não alardeia, apenas sussurra num ato de contrição. Guilherme Leme Garcia assume nos silêncios e na descrição do ouvinte, a sutileza Dele. Ana Beatriz Nogueira concentra a emoção na máscara e na fala emocionais, a intensidade dos desejos abortados Dela.

Crítica/ Duas Vezes um Quarto (2x1/4)

Relações de amores sombrios

São dois textos de Marcelo Pereira reunidos numa montagem assinada por ele, que de certo modo e não apenas pela autoria comum, mostram universo temático semelhante. Em A Dama da Lapa, um homem e uma prostituta celebram acordo de relacionamento, entre a estranheza e o doentio. Em Dilúvio em Tempos de Seca, um escritor e uma modelo se refugiam num banheiro para escapar da tempestade que assola o mundo exterior. Pereira constrói, como metáforas da solidão e dos jogos de poder que governam as vidas daqueles que vivem nas franjas da negação e impotência na expressão dos sentimentos, um embate de afetos feridos. Com muitos volteios e carga verbal intensa, as duas narrativas se mantém no plano expositivo, apresentando, continuamente os personagens, como se quisesse fatiá-los em camadas de insatisfação. Parece querer exibi-los mais do que revelá-los, carecendo de um corte mais vertical em seus comportamentos. A ação, ainda que apoiada na interioridade, prevalece como fixação da trama, em que as situações são determinantes para esboçar os traços psicológicos e o excesso de palavras para preencher o que não se alcança como atmosfera. A montagem, ambientada em espaço duplicado de Paulo Denizot, estabelece com algum engenho, paralelismo entre as cenas distintas. O elenco feminino (Carla Marins e Guta Ruiz) impõe carga emocional maior do que o masculino (José Karini e Lucas Gouvêa), que se empenha em atuação que  procura ser mais detalhista.