quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (17/9/2014)

Crítica/ Tríptico Beckett  
Triângulo de pulsões e ruídos dissonantes

São três mulheres, em idades diferentes, que falam de movimento, de chegadas e partidas, de transposição e mergulho, de escuro e silêncio, mas que permanecem estáticas no vazio da percepção. As palavras não contêm atos, levam a lugares de tensão, reproduzem vozes sem futuro, expõem a aspereza de sentidos, percorrendo zonas sensíveis, mas anestesiadas em ruidosos estertores. “Tríptico Beckett” reúne novelas de Samuel Beckett, que não foram escritas para teatro, com títulos que insinuam esboços narrativos sem interrupções do fluxo da linguagem e do jogo interminável de incertezas. ”Para o pior, avante” há que ir para onde se sabe conduz o corpo cansado. Em “Companhia”, alguém propõe o risco que fere como espinhos na carne. E “Mal visto, mal dito”, a felicidade está no fim da escuridão que apaga os vestígios de vida. Não há histórias, sequências e pontos referenciais que aportem o percurso, apenas fluência de palavras que se desdobram em significados, que revelam outros tantos até ao limite de se transformarem em ritmo puro, ficção sonorizada e ruídos dissonantes. Tantas entrelinhas provocam fricção entre a forma de penetrar em imponderáveis imagens verbais e improváveis estado de consciência. Um caminho poético-existencial, que exige disponibilidade para deixar ouvir as reverberações que matizes de sombras espalham em angustiantes ramificações. Roberto Alvim unifica o tempo dramático com intérpretes de diversas faixas etárias, menos como registro da sua passagem (da juventude à maturidade), mas como incapacidade de apreendê-lo (da memória à morte). No palco, dominado por onipresente esqueleto, revelando existência descarnada, as vozes praticamente não dialogam, repercutem monólogos interiores e rompem a fronteira do conflito. Nesta fresta narrativa, o diretor instala o triângulo das pulsões, iluminado por intensidades declinantes e vestido com figurino esportivo. Como em seus últimos espetáculos, nos 60 minutos de “Tríptico Beckett”, Roberto Alvim desidrata a cena de aspectos narrativos, eliminando referências ao drama, estabelecendo um espaço de percepções exploratórias múltiplas. Estende ao elenco esse caráter quase sensorial das suas encenações, mantendo as atrizes rigidamente compostas, com pequenos gestos que se dissolvem no ar, em permanente contenção dos meios expressivos e árida modulação vocal. Juliana Galdino é quem melhor traduz essa abstração interpretativa, ao concentrar o dramático na palavra-performática, repleta de ondulações de tonalidade e econômica na carga emocional. Uma atuação tecnicamente depurada, que conduz aos porões da subjetividade. Paula Spinelli recorre a infantilização da voz para trazer as lembranças do pouco vivido. Nathalia Timberg, no centro da cena, prostrada em uma enorme poltrona, cabelos brancos soltos e rosto sem artifícios de máscaras teatrais, impõe o contraste da lucidez com a o último sopro de vida.