quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (3/9/2014)

Crítica/ Beije Minha Lápide 
Preso a imagem e identidade de uma sensibilidade

O pretexto dramático é a quebra da barreira de vidro colocada à volta do túmulo de Oscar Wilde no cemitério de Père Lachaise, em Paris, por um ardoroso admirador do escritor irlandês. Bala, como se faz conhecido, é preso pelo gesto intempestivo de profanação e rompimento dos limites identitários, aqueles que o fazem semelhante a Wilde na sexualidade e emprestam de sua obra a voz encarcerada de “De Profundis” (escrita por Wilde na prisão acusado de sodomia). O cerco ao túmulo e o confinamento na cela, simbólicos gradeados de negação e ausência de liberdade, se interligam na metáfora do título, que relembra a fixação do anteparo para evitar que os visitantes beijassem a lápide que cobre os restos mortais do escritor. Esses invólucros de afastamento e rejeição permeiam o texto de Jô Bilac que incorpora a admiração de Bala por Wilde em monólogos que exteriorizam a intensidade de sentimentos que aproximam desejos e projetam igualdades. A narrativa se desenha melhor nos desabafos solitários do que nas relações estabelecidas entre o preso, a filha, a advogada e o carcereiro. Ao construir as relações externas para reproduzir as  vivências do prisioneiro com seu modelo, enfraquece o motivo de estar recluso e carrega nas coincidências que se tornam um tanto postiças. Na direção, Bel Garcia demonstra ter percebido o relativo descompasso entre Bala e aqueles que gravitam em torno dele, procurando dar relevância interpretativa a todos, e não apenas reforçando a figura central. O equilíbrio que o texto não alcança na sua dificuldade de acomodar os personagens secundários à centralidade da paixão aprisionada, a diretora consegue com as atuações do elenco, harmonizado por interpretações detalhistas e depuradas. Marco Nanini assegura, uma vez mais, a sua autoridade como intérprete, dosando um amor idealizado com a sua manifestação exaltada. Paulo Verlings amplia a ambiguidade do carcereiro para encontrar a melhor forma de contracenar com a tempestuosidade do prisioneiro. Carolina Pismel e Julia Mariani ultrapassam, conferindo veracidade, a papéis de alcance circunstancial. Daniela Thomas assina a cenografia que tem como ponto referencial um cubo transparente que ocupa impositivamente o palco. O videografismo de Júlio Parente, que a princípio colore as faces do cubo, e a iluminação de Beto Bruel, que procura uma transparência luminosa, estão asfixiados pelas restrições espaciais do palco dos Correios. Tanto o cenário quando a luz não adquirem a dimensão e efeito previstos, contidos pela pouca altura e profundidade da área de representação e pela interferência visual de colunas que interceptam o olhar do público. Talvez por tais motivos, a diretora tenha utilizado área abaixo do palco para algumas cenas, e não tenha como resolver de modo mais satisfatório a movimentação dos atores ao redor do cubo.