Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (10/9/2014)
Crítica/ Jazz do Coração
Duas atrizes ao abrigo da poesia de Ana Cristina César |
A dimensão de uma montagem como a de Jazz do Coração é avaliada pelo grau da
sua ambição. Extensa na intenção de encenar frações da poesia de Ana Cristina
César, é modesta na intensidade como a traduz no palco. A poética existencial
da autora, marca definitiva de sua obra, confunde-se com a biografia e a época em que foi escrita, como
formas recriadas de angústia cotidiana e ansiedade do tempo. Há um
coloquialismo pessoal na produção de Ana Cristina que estabelece fluxo de
sentimentos reverberados pela complexidade do vivido no dia a dia e no embate
da interioridade com o desejo de realidade. A dramaturgia de Delson Antunes
procura seguir as trilhas do desejo de integridade das vivências, buscando na dissonância
das vozes lançadas no percurso, o fio narrativo para a exposição das
dificuldades em encontrá-las. É uma seleção habilidosa, capaz de traçar um
quadro da obra e uma imagem da autora, que demonstra boas possibilidades de
encontrar expressão cênica. O mesmo Delson que assina o roteiro é quem dirige
as duas atrizes num espaço que permite sentir respirações, tocar intimidades,
desmontar impostação. A proximidade denuncia o ilusionismo, provocando um corpo
a corpo sem intermediações de efeitos e truques, desvendando imperfeições e pequenos
detalhes, o que amplia a exiguidade das soluções. O diretor ambientou na área
mínima da Sala Rogério Cardoso, através de painéis translúcidos e objetos
simbólicos e sonoros (malas, mimeógrafo, máquina de escrever, metrônomo), o
universo da vida e da poesia de Ana Cristina, em referências um tanto
ilustrativas da cenografia de Jeane Terra, que afinal não tem como fugir, pela
restrição espacial e os limites dramáticos, a citações tão diretas. A luz de
Luiz Paulo Neném ensaia conferir maior densidade às variadas cenas, em esforço
paralelo ao do diretor que, apesar da constante movimentação das atrizes, da
introdução dos poemas musicados por Pedro Luís e do empenho das intérpretes, alcança
apenas o voo de cruzeiro, sem alçar maior altitude. Não é suficiente dinamizar
as cenas na maratona por uma ação física em paralelo aos movimentos interiores.
Nesta corrida, perde-se velocidade, e do bom impulso inicial, resta o cansaço de
uma chegada sem vencedores. A presença tímida e a inexperiência de Aline
Peixoto justificam a sua juventude como atriz. Françoise Forton, expansiva e experiente,
conduz-se pelos caminhos seguros da correção, evitando as margens desafiadoras
dos riscos.