Crítica do Segundo Caderno de O Globo (28/5/2014)
Crítica/ Samba Futebol Clube
Crítica/ Samba Futebol Clube
Vozes de torcedores bem ensaiados |
Copa haverá, mas não se sabe exatamente de que
modo se disputarão as insatisfações fora dos estádios, mas pelo menos já há a
certeza de que o futebol no teatro encontrou o seu melhor campo de jogo. O
roteiro de músicas e textos e direção de Gustavo Gasparani, que fazem tabelinha
entre samba e futebol, se armam como uma equipe de apuro técnico, ginga afiada
e humor malemolente. São quatro dezenas de músicas que tratam do tema, desde a
década de 30, e fragmentos de crônicas e de livros de jornalistas como Nelson
Rodrigues, Armando Nogueira, Paulo Mendes Campos, e poetas como Ferreira Gullar
e Carlos Drummond de Andrade. Cada cena flagra um lance – grito da torcida,
coreografia do gol, decadência do craque, a paixão desmedida, o palavreado das
arquibancadas, a catimba dos políticos
– numa sucessão bem humorada de comentários sobre o esporte da emoção. Não há
propriamente novidade na seleção dos textos e na coletânea das músicas, mas
oportuno diálogo entre uns e outras, orquestrados pela agilidade com que a
montagem impulsiona a comunicabilidade entre eles. A originalidade está em apontar
para cada observação, uma particularidade cênica identificada com imagens ou
sonoridades futebolísticas. Na abertura, quando se conta dos primórdios do
esporte por aqui, recorre-se à transmissão radiofônica bem conhecida, numa
dinâmica e divertida reversão da monotonia dos dados históricos. A perda de
fama e dinheiro do jogador tem no samba-canção derramado, interpretado por cantor
vestido com paletó de lantejoulas, o ponto de inflexão da emotividade. O
diretor Gustavo Gasparani imprime ritmo nervoso, sem quebras, que mantém a alta
voltagem dos quadros, para os quais a capoeira é ilustrativa para as projeções e
comentaristas são personagens reconhecíveis por sua linguagem característica. A
direção de movimento e coreografias de Renato Vieira apoiam o intenso balé de
gestos retirados das torcidas e dos campos. Os figurinos de Marcelo Olinto e a exata
iluminação de Paulo Cesar Medeiros complementam a cenografia limpa e funcional
de Marcelo Lipiani. Nando Duarte, responsável pela direção musical, tira
partido do elenco de atores-músicos, capazes de soltar suas vozes com a
vibração de torcedor bem ensaiado. Além dos movimentos, executados com a
precisão de tempo de uma “ola”, os atores são os instrumentistas que acompanham
as suas ótimas vozes, num time vibrante de atletas de palco. Alan Rocha,
Cristiano Gualda, Daniel Carneiro, Gabriel Manita, Jonas Hammar, Luiz Nicolau,
Rodrigo Lima e Pedro Lima ocupam a cena com vigor e domínio, que tornam
possível estabelecer relação tão próxima com a plateia, sem necessidade de
pedir a sua adesão. Samba e futebol, esses dois clichês da nacionalidade quando
se combinam como inteligente material cênico ressurgem renovados como genuíno
musical brasileiro.