Crítica do Segundo Caderno
de O Globo (7/5/2014)
Crítica/ À Sombra das Chuteiras Imortais
Fotografia com pouco contraste |
Do conto "O grande dia de Otacílio e Odete", com
acréscimo de fragmentos de crônicas e de personagem retirado de "A
falecida", o adaptador e diretor Henrique Tavares inspirou-se, até no
título, no universo futebolístico de Nelson Rodrigues. Na colagem, simples mas
habilidosa dramaturgicamente, são repassadas as impressões do cronista sobre os
sentimentos do brasileiro acumulados diante da derrota na Copa de 50, e a sua
revisão do "complexo de vira-lata" frente à vitória na Copa de 58. A
dúvida de Octacílio sobre a traição da mulher, que se instala com os vaticínios
dúbios de diferentes cartomantes, se desenvolve, e se resolve, em sintonia com
as desconfianças em relação às possibilidades de êxito a cada jogo da Seleção
na Suécia. Ainda que o futebol seja a ambientação, é pretexto para que as
tiradas do frasista e as obsessões do anjo pornográfico ganhem significados cotidianos
nas palavras do cronista. Na direção, Henrique Tavares traduz em cenas curtas e pausas longas o
universo rodriguiano em estado de repouso, fixado em uma fotografia de pouco
contraste e emoldurada como exposição. O diretor não confronta a narrativa bem
construída com as imagens verbais que
capturou com adaptador. No prólogo, à vista do cenário despojado de José Dias
(um móvel e rádio dos anos 50 e cinco cadeiras dispostas em diagonal) é
transmitida, em extensa e tediosa narração, a final da partida do Brasil contra
o Uruguai. De início já se estabelece uma anticlimática situação, que ao contrário
de informar, como parece ter sido a intenção, desequilibra o restante da
montagem. Alguns silêncios e figuras estáticas completam o descompasso entre uma
dinâmica sequência de cenas e a necessidade de expandir a dicção e o tempo para
deixar perceber as frases de efeito e a articulação entre personagem e
narrador. De certa forma, fica a impressão de que se procura atender a uma
duração viável (o espetáculo tem 60
minutos) e de exibir o ambiente em contraponto à sua ocupação. O elenco – Gláucio
Gomes, Ingrid Conte, Anderson Cunha, Crica Rodrigues e César Amorim – demonstra
inexperiência em realizar a multiplicidade de movimentos, e paralelamente encontrar
o humor das frases e diálogos partidos e ágeis.