quinta-feira, 8 de maio de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (7/5/2014)

Crítica/ À Sombra das Chuteiras Imortais
Fotografia com pouco contraste 

Do conto "O grande dia de Otacílio e Odete", com acréscimo de fragmentos de crônicas e de personagem retirado de "A falecida", o adaptador e diretor Henrique Tavares inspirou-se, até no título, no universo futebolístico de Nelson Rodrigues. Na colagem, simples mas habilidosa dramaturgicamente, são repassadas as impressões do cronista sobre os sentimentos do brasileiro acumulados diante da derrota na Copa de 50, e a sua revisão do "complexo de vira-lata" frente à vitória na Copa de 58. A dúvida de Octacílio sobre a traição da mulher, que se instala com os vaticínios dúbios de diferentes cartomantes, se desenvolve, e se resolve, em sintonia com as desconfianças em relação às possibilidades de êxito a cada jogo da Seleção na Suécia. Ainda que o futebol seja a ambientação, é pretexto para que as tiradas do frasista e as obsessões do anjo pornográfico ganhem significados cotidianos nas palavras do cronista. Na direção, Henrique Tavares  traduz em cenas curtas e pausas longas o universo rodriguiano em estado de repouso, fixado em uma fotografia de pouco contraste e emoldurada como exposição. O diretor não confronta a narrativa bem construída com as imagens verbais  que capturou com adaptador. No prólogo, à vista do cenário despojado de José Dias (um móvel e rádio dos anos 50 e cinco cadeiras dispostas em diagonal) é transmitida, em extensa e tediosa narração, a final da partida do Brasil contra o Uruguai. De início já se estabelece uma anticlimática situação, que ao contrário de informar, como parece ter sido a intenção, desequilibra o restante da montagem. Alguns silêncios e figuras estáticas completam o descompasso entre uma dinâmica sequência de cenas e a necessidade de expandir a dicção e o tempo para deixar perceber as frases de efeito e a articulação entre personagem e narrador. De certa forma, fica a impressão de que se procura atender a uma duração viável  (o espetáculo tem 60 minutos) e de exibir o ambiente em contraponto à sua ocupação. O elenco – Gláucio Gomes, Ingrid Conte, Anderson Cunha, Crica Rodrigues e César Amorim – demonstra inexperiência em realizar a multiplicidade de movimentos, e paralelamente encontrar o humor das frases e diálogos partidos e ágeis.