Crítica do Segundo Caderno de
O Globo (4/5/2014)
As canções de Edu Lobo e Chico Buarque,
escritas há mais de 30 anos para o balé O
Grande Circo Místico, são dominantes, também agora, quando fazem parte do
musical escrito por Newton Moreno e Alessandro Toller. Quase tão impositivas
quanto o poema de Jorge de Lima na construção narrativa no novo gênero, a
música da dupla prova, não só a sua qualidade em criar imagens líricas, como
determina o eixo dramático em torno do qual os autores revisam a inspiração
original e acrescentam a guerra ao picadeiro dos que “atiram os membros para a visão
dos homens, e atiram as almas para a visão de Deus.” A intenção é de revestir a
trilha sonora de arcabouço dramatúrgico que, não apenas a integre, coerente e
satisfatoriamente, ao fluxo da ação, como aproxime a “grande guerra mística” do
Grande Circo Knieps do poeta. A história de amor do médico e da bailarina,
interrompida pela eclosão do conflito que desarma a trupe circense,
recompõe-se, sob uma lona costurada de estrelas, redimindo com o nascimento de
gêmeas a dinastia de uma genealogia artística. Com esta ambientação, Moreno e
Toller incorporaram as músicas, a maioria bastante conhecida, encontrando
autonomia dramática para cada uma delas. João Fonseca desenhou a montagem como
uma aquarela de traços circenses em tonalidades suaves. Faz um esboço em movimentos
acrobáticos e gestos malabaristas para alcançar uma coreografia poética, que
resulta em múltiplas e intensas cenas de efeito à procura do espetacular, como,
afinal, é da natureza do gênero. Fonseca nem sempre tem a dimensão desse quadro
em constante mudança, sucumbindo à extensão do texto, um tanto alongado, e
acossado pelo ritmo nervoso das quebras narrativas. A cenografia de Nello
Marrese cobre o palco com engenhosa lona modular e reveste o campo de batalha
com painéis e adereços inventivos. A destacar o camarim-relicário da mulher
barbada. A luz de Luiz Paulo Nenen ressalta os detalhes do cenário. O figurino
de Carol Lobato se integra à unidade visual da montagem, assim como o visagismo
de Leopoldo Pacheco. A coreografia de Tania Nardini de concepção acrobática tem
seu melhor momento no número de Beatriz com os cavalos. A direção musical de
Ernani Maletta se inscreve na corrente fabular, mantendo o equilíbrio dramático
das canções, sem destacar as de maior sucesso. O elenco canta com correção as
difíceis partituras, além de corresponder às exigências da coreografia,
sustentando por três horas um espetáculo que transmite o empenho dos 18 atores.
Fernando Eiras busca interpretação em que voz e corpo evoluem como uma dança
lírica. Letícia Colin projeta seu educado timbre vocal. Gabriel Stauffer
empresta timidez e delicadeza ao amor de Frederico por Beatriz. Ana Baird
e Reiner Tenente mostram boa presença. Isabel Lobo vive Charlote e Paula
Flibann, Lily Braun