Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (14/5/2014)
Crítica/ O dia
que Sam morreu
Os autores Paulo de Moraes e Maurício Arruda
Mendonça situam em torno de três personagens de apelido Sam questões éticas
deflagradas por situações que ressoam complexidades do espectro social. Uma
juíza que recusa a ser privilegiada na fila de transplante de coração, e um
velho palhaço, que sempre fugiu a desempenhar na vida e no picadeiro o papel que
sua arte exige, têm no jovem de discurso anárquico contra injustiças o ângulo mais
agudo no triângulo de negação a um sistema corruptor por essência. Um médico,
que associa distorcida prática da profissão
a alpinismo social, e seu colega que o segue em relações dúbias, completam o
quadro dramático, no qual os flagrantes são mais relevantes do que o
adensamento daquilo que a narrativa pretenderia propor. A distância é tanto
maior quanto os autores adotam um caráter expositivo das relações individuais
quando confrontadas com as rupturas das convenções coletivas. Cenas como as que
caracterizam o comportamento dos personagens, para justificá-los sob
perspectiva psicológica, ganham mais projeção do que aquelas que poderiam
tratar dos conflitos sob uma ótica, efetivamente, ética. O texto está
estruturado em bases realistas e em função de espelhar o real para provocar
identificação de sentidos, estabelece somente um registro naturalista da ação, elemento
valorizado no fluxo narrativo de mão única em direção a convergências
emocionais. Na direção, Paulo de Moraes incorpora o tom de exposição e de alerta
a certas práticas, que no texto está embutido como “recado”, para multiplicar
em cenas contrastadas, imagens que buscam força visual, e música de Ricco Viana,
que sublinha tensão periférica. Os manequins, que coreografam as mortes,
pacientes e cadáveres do enterro de um
sistema violento, compõem o ambiente em que banda de sombrios palhaços toca no ritmo das
desilusões. São cenas que ilustram e ultrapassam a instabilidade da dramaturgia,
acrescentando-lhe impacto visual que a cenografia de Paulo de Moraes e Carla
Berri apoia com a sua funcionalidade e a iluminação de Maneco Quinderé colore e
ensombra. A linha de interpretação do elenco, seguindo contornos realistas, determina
coesão estilística , em que cada ator tem seu destaque, sem romper a unidade
nas atuações. Otto Jr., reveste de canalhice e deboche o médico. Ricardo
Martins transmite a dualidade de marido e amante. Marcos Martins é o triste palhaço
que despreza o humor. Patrícia Selonk mede as dúvidas da juíza pela métrica do
drama. Lisa Eiras como a filha e amante não individualiza os dois papéis. Jopa
Moares tem a melhor interpretação ao figurar com espontaneidade arrebatada o
idealismo difuso do jovem Samuel.