quinta-feira, 15 de maio de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (14/5/2014)

Crítica/ O dia que Sam morreu
 
Ângulos de negação a um sistema corruptor

Os autores Paulo de Moraes e Maurício Arruda Mendonça situam em torno de três personagens de apelido Sam questões éticas deflagradas por situações que ressoam complexidades do espectro social. Uma juíza que recusa a ser privilegiada na fila de transplante de coração, e um velho palhaço, que sempre fugiu a desempenhar na vida e no picadeiro o papel que sua arte exige, têm no jovem de discurso anárquico contra injustiças o ângulo mais agudo no triângulo de negação a um sistema corruptor por essência. Um médico, que associa  distorcida prática da profissão a alpinismo social, e seu colega que o segue em relações dúbias, completam o quadro dramático, no qual os flagrantes são mais relevantes do que o adensamento daquilo que a narrativa pretenderia propor. A distância é tanto maior quanto os autores adotam um caráter expositivo das relações individuais quando confrontadas com as rupturas das convenções coletivas. Cenas como as que caracterizam o comportamento dos personagens, para justificá-los sob perspectiva psicológica, ganham mais projeção do que aquelas que poderiam tratar dos conflitos sob uma ótica, efetivamente, ética. O texto está estruturado em bases realistas e em função de espelhar o real para provocar identificação de sentidos, estabelece somente um registro naturalista da ação, elemento valorizado no fluxo narrativo de mão única em direção a convergências emocionais. Na direção, Paulo de Moraes incorpora o tom de exposição e de alerta a certas práticas, que no texto está embutido como “recado”, para multiplicar em cenas contrastadas, imagens que buscam força visual, e música de Ricco Viana, que sublinha tensão periférica. Os manequins, que coreografam as mortes, pacientes e cadáveres do  enterro de um sistema violento, compõem o ambiente em que  banda de sombrios palhaços toca no ritmo das desilusões. São cenas que ilustram e ultrapassam a instabilidade da dramaturgia, acrescentando-lhe impacto visual que a cenografia de Paulo de Moraes e Carla Berri apoia com a sua funcionalidade e a iluminação de Maneco Quinderé colore e ensombra. A linha de interpretação do elenco, seguindo contornos realistas, determina coesão estilística , em que cada ator tem seu destaque, sem romper a unidade nas atuações. Otto Jr., reveste de canalhice e deboche o médico. Ricardo Martins transmite a dualidade de marido e amante. Marcos Martins é o triste palhaço que despreza o humor. Patrícia Selonk mede as dúvidas da juíza pela métrica do drama. Lisa Eiras como a filha e amante não individualiza os dois papéis. Jopa Moares tem a melhor interpretação ao figurar com espontaneidade arrebatada o idealismo difuso do jovem Samuel.