Crítica do Segundo Caderno de O Globo (21/5/2014)
Crítica/ Como é cruel viver assim
Uma comédia, para ampliar o propósito de fazer rir, que está
geneticamente pregado ao gênero, explora para além de situação deflagradora da
trama as possibilidades de interpretar os bons e os maus costumes embutidos no
comportamento dos personagens. Fernando Ceylão exercita, como um cronista de
humor atilado, a observação do mundinho daqueles que, sem qualquer perspectiva,
se lançam a mirabolante aventura para "se dar bem", e
perseguir a fantasia de viver como os ricos. Não por acaso, situa a ação em uma
lavanderia, metáfora de que roupa e dinheiro sujos se limpam com o detergente
de um cinismo generalizado, reunindo neste comércio de mediocridades baratas
quatro desgarrados sociais que planejam sequestrar um milionário. Como é
previsível desde que decidem a empreitada, nada corre como imaginavam, e o
humor não está naquilo que deu errado, mas como cada um deles tem no erro o
modo de vida. O mentor da ideia, se identifica com os miseráveis que esbarra
pelas ruas, e sua espevitada mulher o apoia com seu romantismo carente,
enquanto o primo trapalhão e a amiga inconveniente contribuem para o quadro de
ambições indigentes. Em paralelo à exposição de frustrações suburbanas, o autor
faz alguns comentários muito bem humorados sobre experiências banais, como
quando fala da "hierarquia de carnes" em rodízio de churrascaria. O
diretor Guilherme Piva tirou partido da duplicidade na tonalidade do humor de
Ceylão (comédia de situação e de costumes), rebatendo a coloração única da
corrida pelo riso de efeito imediato. O cenário de Aurora dos Campos, o
figurino de Antonio Medeiros e Tatiana Medeiros, a iluminação de Maneco
Quinderé e a direção de movimento de Marcia Rubin acentuam essa palheta
colorida, que lembra a estética dos filmes de Pedro Almodóvar, e contribuem
para que o diretor crie inspiradas gags visuais. A melhor
delas, é a da amiga alisando os cabelos com o ferro de passar roupa. O elenco
corresponde ao arco irônico-cruel-brincalhão
do texto, com Marcelo Valle em composição de comicidade agridoce, Letícia
Isnard em bem construído desenho físico e Álamo Facó à solta, explorando o lado
caricatural do personagem. Inez Viana faz divertido comentário corporal para a
amiga maldosa, lembrando a tradição dos cômicos populares.