Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (23/4/2014)
Crítica/ 2 x Matei
Paródia da espera do fim do teatro |
A reunião de dois textos curtos do romeno Matéi
Visniec demonstra, em estilos narrativos contrastantes, a unidade de um humor
ácido que investe contra o poder, a política e o teatro. Na utilização da
palavra como arma demolidora da irracionalidade, e na manipulação de linguagens
como veículo corrosivo da forma, Visniec aponta para alvos que são desmontados em
seus próprios termos. Em “O Último Godot”, personagem e autor são expulsos do
teatro onde se apresenta, para uma plateia vazia, “Esperando Godot, de Samuel
Beckett. Neste encontro com ar de fim de partida, Godot exige de Beckett pelo
menos uma única fala, ainda que seja apenas “não”. Paródia da espera do fim do
teatro, lugar desprezado e abandonado pelo público, resta somente a miragem de uma
sala lotada, cena fugaz entre diálogos sem qualquer esperança. Em “O Rei, o
Rato e o Bufão do Rei”, convivem em um calabouço, à espera da execução, o rei e
seu bufão, que dissecam o poder e conferem aos ratos projeção humana. Fábula sobre
a ambiguidade e a falsidade do conhecimento como meios de construir mentiras
históricas, repassa a política como exercício
inútil. Dramaturgia que reflete tradição literária e citações clássicas, às
quais se acrescentam questões políticas da Europa Central e outras tantas referências,
o teatro de Matéi Visniec explora contradições sociais e complexidades da própria
criação, permitindo vários níveis de apreensão de seus textos. O diretor
Gilberto Gawronski deixou evidente a sua escolha pelo viés, essencialmente
teatral, de cada um das pequenas peças. A atmosfera do Godot original se estabelece
a partir de figurino identificado e da reprodução da figura de Beckett, que
desvendam, crescente e sutilmente, suas identidades. Já a bufonaria das
caracterizações e a irreverência na atuação descrevem formalismo cênico, que rivaliza,
esmaecendo até certo ponto, com as firulas do texto. É uma opção diante de obra
referencial, carregada de símbolos e metáforas que se confirmam pelo modo como
são recebidas pelo repertório do espectador. Gawronski acertou no cenário da
primeira parte, em que uma rua desolada, branca, asséptica, com bueiros que
soltam fumaça dos esgotos, ambienta como memória cênica a expectativa becketiana. Na segunda parte, quando o
mesmo cenário serve de prisão, e os adereços são introduzidos de maneira
canhestra e confeccionados precariamente, o quadro se empobrece, sem comprometer
os coloridos e bem executados figurinos de Antonio Medeiros. Como ator,
Gawronski se acomoda num segundo plano em tímida composição física do Beckett
de farsa, se retraindo ainda mais como o rei algo bufão. Guida Vianna aciona
diferentes códigos de humor para explorar a presença do improvável Godot e a ironia
do bobo falastrão. Na cena em que ensaia discurso para o rei com chavões
latinos e a que conclui que o poder está nas mãos daqueles que impõem sentidos
às palavras, Guida Vianna encontra o seus mais eloquentes momentos em cena.