Crítica do Segundo Caderno de O
Globo (16/4/2014)
Crítica/ Oleanna
Como em outros de seus textos,
David Mamet caracteriza em “Oleanna” atitudes de personagens que emergem de uma
América emocional profunda. A aluna que vai ao gabinete do professor para confrontá-lo
pela nota baixa, desencadeia diálogo em que o exercício do poder e a
alternância das posições de controle são conduzidos pela prática do mal.
Aparentemente, a aluna parece um tanto obtusa na apreensão dos conceitos ensinados
pelo professor, que por seu lado, se mostra impaciente com a inoportuna visita.
A reprovação pode levar à saída da faculdade e frustrar o esforço de quem, por
sua origem social, teve dificuldades à entrada e luta pela permanência. A
compra da casa própria e a iminência de ascender na carreira acadêmica são
desejos de futuro do profissional de classe média. No decorrer do encontro, as
perguntas mal respondidas por ele e a sua visível impaciência se transformam em
manipulação interpretativa por ela, que o acusa de assédio sexual a partir do ardil
subjetivo que elaborou nas entrelinhas do que ficou encoberto pela ambiguidade no uso das
palavras. Mamet descreve os dois momentos em atos que se completam na forma detalhada
como se interpõem, em intensidade dramática controlada pelo ritmo interno da
narrativa e pelo deslocamento do jogo de forças. O diretor Gustavo Paso conduz a
cena sob o mesmo substrato da ação, zona por onde caminha a tensionada a montagem,
sem trair o seu enquadramento realista. O conflito de ressonância subterrânea é
sustentado por vozes pendulares cujo eixo está na palavra ouvida e na palavra revisada,
plano de que Paso não se desvia na cuidadosa preservação do significado,
essencialmente, verbal da trama. O cenário de Gustavo Paso e Teca Fichinski,
que redesenha o espaço da representação, colocando a plateia em campos frontais,
amplia a teatralidade, para qual a iluminação de Paulo Cesar Medeiros, o
figurino de Jô Resende e a música original de André Poyart são bons elementos
funcionais. O elenco corresponde ao duelo camerístico de atuações em dosagem
bem medida. O papel de professor, interpretado em duas versões, a masculina e a
feminina, confirma a segurança do
diretor na condução dos atores. Luciana Fávero projeta o comportamento de vagas
intenções da aluna no primeiro quadro, para acrescentar, com pequena e exata subida
de tom, firmeza maldosa no segundo quadro. Marcos Breda em atuação
discretamente delineada, que registra em nuances as reações do professor, trabalha
com inteligente sobriedade a trajetória de sentimentos que se invertem até
atingir a eloquência do ódio. Uma interpretação límpida. Miwa Yanagizawa
ultrapassa com certa hesitação a mudança de gênero, pelo atropelo como a
adaptação ao feminino desequilibra o entrecho. Sua interpretação é mais
confrontadora, a princípio, mas que ao se reproduzir quando a aluna se revela,
deixa o papel da professora menos nítido. E por força da transposição de sexo,
a última cena da atriz fica
atabalhoadamente confusa.