Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (5/3/2014)
Crítica/ Lotação
Esgotada
Esse texto americano, monólogo que oferece boa oportunidade a um
ator de recursos, foi adaptado pelo diretor Moacyr Góes, antevendo as
possibilidades de um comediante popular, como Rodrigo Sant’anna, fugir da
armadilha de construir tipos e se distribuir, como intérprete, entre duas
dezenas de personagens. Funcionário de restaurante de luxo, aspirante a papel
na televisão, atende, quase simultaneamente, a vários telefones de clientes a
confirmar reservas e a ouvir recados do chef, de colegas de trabalho e do
patrão, e a cada chamada desvendar um mundo de vaidades, manipulações e impaciência.
Para ao final desta exposição de muitas vozes dissonantes, surgir a redentora
palavra única da locução teatral. As ligações telefônicas deixam a descoberto
as frustrações, os problemas profissionais e a carência afetiva paterna do
atendente de múltiplas solicitações, sem aprofundar quaisquer delas, transformadas
em estímulos emocionais para que possa se reconhecer entre tantos apelos. Na
versão brasileira, Góes evoca locais e pessoas, sem identificá-los, trazendo
para o humor nacional algumas referências a comportamentos e costumes que nos
são bastante familiares. Na direção, se concentra nas habilidades do ator para que
não dilua seu temperamento de cômico em diferenças caricaturais e para que individualize
as perfis dos vários personagens. Góes demonstra ter conseguido harmoniosa
combinação das diversas sonoridades exigidas das falas, evitando a tipificação dos
muitos ruídos trazidos pelos toques daqueles que chamam. O cenário e adereços
de Teca Fischinski com bom acabamento, atendem a concepção realista, o que
desvaloriza a mesa central com os aparelhos de telefone, diminuída cenicamente diante
da “grandeza” da ambientação. Rodrigo Sant’anna emprega modulações à sua versatilidade,
baseando-se em atuação elaborada e humor equilibrado. Ainda que a gradação dos
tons modulares escape, eventualmente, ao controle do ritmo das mudanças – fica
um tanto exposto o esforço de se transfigurar continuamente -, Rodrigo mantém o
domínio cênico e evidencia que para além do comediante existe um bom ator.