quinta-feira, 6 de março de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (5/3/2014)

Crítica/ Lotação Esgotada
Um bom ator para além do comediante
Esse texto americano, monólogo que oferece boa oportunidade a um ator de recursos, foi adaptado pelo diretor Moacyr Góes, antevendo as possibilidades de um comediante popular, como Rodrigo Sant’anna, fugir da armadilha de construir tipos e se distribuir, como intérprete, entre duas dezenas de personagens. Funcionário de restaurante de luxo, aspirante a papel na televisão, atende, quase simultaneamente, a vários telefones de clientes a confirmar reservas e a ouvir recados do chef, de colegas de trabalho e do patrão, e a cada chamada desvendar um mundo de vaidades, manipulações e impaciência. Para ao final desta exposição de muitas vozes dissonantes, surgir a redentora palavra única da locução teatral. As ligações telefônicas deixam a descoberto as frustrações, os problemas profissionais e a carência afetiva paterna do atendente de múltiplas solicitações, sem aprofundar quaisquer delas, transformadas em estímulos emocionais para que possa se reconhecer entre tantos apelos. Na versão brasileira, Góes evoca locais e pessoas, sem identificá-los, trazendo para o humor nacional algumas referências a comportamentos e costumes que nos são bastante familiares. Na direção, se concentra nas habilidades do ator para que não dilua seu temperamento de cômico em diferenças caricaturais e para que individualize as perfis dos vários personagens. Góes demonstra ter conseguido harmoniosa combinação das diversas sonoridades exigidas das falas, evitando a tipificação dos muitos ruídos trazidos pelos toques daqueles que chamam. O cenário e adereços de Teca Fischinski com bom acabamento, atendem a concepção realista, o que desvaloriza a mesa central com os aparelhos de telefone, diminuída cenicamente diante da “grandeza” da ambientação. Rodrigo Sant’anna emprega modulações à sua versatilidade, baseando-se em atuação elaborada e humor equilibrado. Ainda que a gradação dos tons modulares escape, eventualmente, ao controle do ritmo das mudanças – fica um tanto exposto o esforço de se transfigurar continuamente -, Rodrigo mantém o domínio cênico e evidencia que para além do comediante existe um bom ator.