Crítica do Segundo Caderno de O Globo (12/3/2014)
Crítica/ A Toca do Coelho
Textos com esse do desconhecido
americano David Lindsay Abaire, sancionado por um generoso Prêmio Pulitzer, parecem
querer provocar a emoção da plateia, buscando em doses controladas de drama e
humor não arranhar sensibilidades vulneráveis a melodramas. Oito meses depois
da morte do filho de cinco anos, casal vive o luto, confrontado com a anunciada
gravidez da irmã e as lembranças dolorosas da mãe de Rebeca e com as tentativas
escapistas de Paulo em recompor a vida. Um quinto personagem, o adolescente
responsável pelo atropelamento do garoto, gravita em torno da narrativa como alguém
capaz de redimir a continuidade da vida. A construção da situação central, que
vai se revelando através da participação dos outros personagens, é urdida
segundo manual do realismo psicológico, em que nada deve estar fora do lugar, a
trama precisa ter coerência, e a ação evoluir com carga sentimental. “A toca do
coelho” segue as regras, acrescentando-lhes quebras de tensão para suavizar o clima
trágico e sugerir eventual lágrima furtiva. A montagem de Dan Stulbach procura o
equilíbrio entre amenizar e emocionar a curva dramática, mas a exemplo do autor
não projeta a subjetividade da perda e não escapa da vizinhança ao
melodramático. O cenário de André Cortez, projetado para palco bem maior, foi
transposto para o espaço exíguo do Teatro Leblon, restringindo sua
funcionalidade, já que as projeções, que são parte integrantes da concepção, se
tornam apenas traços abstratos em movimento. No elenco, Felipe Hintze tira bom
partido da sua juventude e do tipo físico para dar a dimensão humana ao
perplexo adolescente atropelador. Simone Zucato, a grávida cheia de atitude e
um tanto fora de lugar no sofrimento do casal, impõe-se à personagem no limite
da implosão. Selma Egrei tem dificuldades em dosar o destempero verbal da mãe,
com as ponderações afetivas para a filha. Reynaldo Gianecchini imprime dramaticidade
arrebatada que afasta sua interpretação das reações interiores do pai. Maria
Fernanda Cândido é quem demonstra, pela contenção de gestos, pausas medidas e máscara
suavemente entristecida, maior proximidade com os sentimentos da mãe enlutada.