quinta-feira, 20 de março de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (19/3/2014)

Crítica/ E se elas fossem para Moscou?
Cine-teatro do desejo de evasão

Em dois planos, do cinema e do teatro, a diretora Christiane Jatahy constrói um fluxo no qual um – a montagem em si no espaço cênico – alimenta o outro - a projeção simultânea das imagens captadas na sala ao lado –, e que são vistos, separadamente, mas intermediados pela intervenção das duas linguagens. Na área da representação, as atrizes se movimentam sob o foco de onipresentes câmeras, seguidas de mudanças na cenografia, manipuladas por operosos contrarregras, que fracionam a ambientação em pequenos sets de filmagem. Para o espectador do teatro, não há imagens projetadas daquilo a que se está assistindo, e não se criam expectativas de unidade entre palco e tela, já que ambos estão expostos no seu artesanato e dialogam como performances. “As três irmãs”, de Anton Tchekov, adaptada e roteirizada pela diretora, é usada como cenário dramático para a interligação dos meios, elemento de passagem entre estar na encenação e no filme, metáfora dos desejos das personagens de partir para Moscou, mas imobilizadas pela inação emocional. Apesar da vontade de buscar outro tempo, as irmãs estão presas à memória passada e à realidade presente, e a pergunta que o título do espetáculo propõe é o território explorado como circulação de técnicas e de sentimentos. Como em outras de suas montagens, Christiane Jatahy procura atuação coloquial do elenco, contornando os limites da realidade e da ficção, impostando uma naturalidade que permite aproximar-se da plateia e servir-lhe bolo, champanhe e vinho. É essa mesma “espontaneidade” que incorpora as intervenções de tantas outras presenças em cena, das múltiplas trocas de cenário e de câmeras, e que torna secundária a tensão dramática, que nas últimas cenas, ao subir o seu tom, se desloca do restante corpo das interpretações. O texto é submetido a cortes secos, editado sem a progressão narrativa do autor, posto a serviço da estrutura cineatral, a real expressão dramatúrgica da montagem. A complexidade técnica de articular câmeras e cenografia, iluminação e som está visível com a mesma nitidez com que os demais mecanismos se deixam ver, e funcionam com orquestrada precisão. O trio de atrizes – Stella Rabello (vigorosamente angustiada), Julia Bernat (juvenilmente inquietante) e Isabel Teixeira (subjetivamente maternal) – imprime um ímpeto físico que explode em força interpretativa.