Crítica do Segundo Caderno de O Globo (19/3/2014)
Crítica/ E se elas fossem para Moscou?
Em dois planos, do cinema
e do teatro, a diretora Christiane Jatahy constrói um fluxo no qual um – a
montagem em si no espaço cênico – alimenta o outro - a projeção simultânea das
imagens captadas na sala ao lado –, e que são vistos, separadamente, mas
intermediados pela intervenção das duas linguagens. Na área da representação,
as atrizes se movimentam sob o foco de onipresentes câmeras, seguidas de
mudanças na cenografia, manipuladas por operosos contrarregras, que fracionam a
ambientação em pequenos sets de
filmagem. Para o espectador do teatro, não há imagens projetadas daquilo a que
se está assistindo, e não se criam expectativas de unidade entre palco e tela, já
que ambos estão expostos no seu artesanato e dialogam como performances. “As
três irmãs”, de Anton Tchekov, adaptada e roteirizada pela diretora, é usada
como cenário dramático para a interligação dos meios, elemento de passagem
entre estar na encenação e no filme, metáfora dos desejos das personagens de partir
para Moscou, mas imobilizadas pela inação emocional. Apesar da vontade de buscar
outro tempo, as irmãs estão presas à memória passada e à realidade presente, e
a pergunta que o título do espetáculo propõe é o território explorado como circulação
de técnicas e de sentimentos. Como em outras de suas montagens, Christiane Jatahy
procura atuação coloquial do elenco, contornando os limites da realidade e da
ficção, impostando uma naturalidade que permite aproximar-se da plateia e
servir-lhe bolo, champanhe e vinho. É essa mesma “espontaneidade” que incorpora
as intervenções de tantas outras presenças em cena, das múltiplas trocas de
cenário e de câmeras, e que torna secundária a tensão dramática, que nas
últimas cenas, ao subir o seu tom, se desloca do restante corpo das
interpretações. O texto é submetido a cortes secos, editado sem a progressão
narrativa do autor, posto a serviço da estrutura cineatral, a real expressão dramatúrgica da montagem. A
complexidade técnica de articular câmeras e cenografia, iluminação e som está visível
com a mesma nitidez com que os demais mecanismos se deixam ver, e funcionam com
orquestrada precisão. O trio de atrizes – Stella Rabello (vigorosamente
angustiada), Julia Bernat (juvenilmente inquietante) e Isabel Teixeira (subjetivamente
maternal) – imprime um ímpeto físico que explode em força interpretativa.