Salvador
Crítica/ Troilus e
Créssida
Coreografia coletiva encena a palavra de Shakespeare |
A montagem deste texto de Shakespeare, pouco
encenado pela complexidade de sua arquitetura dramatúrgica, fundamento
histórico e dubiedades dos sentimentos humanos que explora, está em cartaz no
Teatro Vila Velha, em Salvador, com direção de Márcio Meirelles. A ousadia de
trazer à cena essa épica-trágica-farsesca-poética narrativa numa versão com
jovem elenco, sem qualquer experiência anterior, não deixa de ser um risco
considerável. As limitações e dificuldades inerentes a um projeto tão ambicioso
foram, bravamente, contornados pela demonstração deste grupo de 35 atores que
cumpre com extremo empenho a difícil tarefa de se lançar na construção de uma
cena vibrantemente arejada. Os atores, com média de idade em torno dos 20 anos,
a maioria sem nunca ter pisado em um palco, selecionados para a 28ª montagem do
Curso Livre de Teatro da UFBA, revelam nesta primeira ocupação de um palco que deram
partida para levar adiante o aprendizado que, se continuado, pode resultar em
carreira para alguns. A intensa, ao que se imagina, preparação do elenco tão cru
se torna mais notável quando defrontado com trama em que luxúria e lutas hostis
se confundem em ações motivadas por razões pouco dignas da coragem e honra
evocadas para os atos heróicos. Fixada numa complexidade de citações (a maioria
inacessível ao espectador contemporâneo) e no paralelismo do entrecho, num jogo
cênico de dezenas de personagens em ação quase simultânea, Troilus e Créssida é uma empreitada árdua diante das suas possibilidades
de encenação, que se faz possível na atualidade ao apostar, unicamente, na força da linguagem e na sua poética
exuberante. A palavra, mais do que a ação, deve corporificar-se como cena, fazer-se
ouvir como teatro. Parcialmente, a encenação de Márcio Meirelles se apropria da
palavra shakespeariana, tão cuidadosamente traduzida por Barbara Heliodora, para
lançá-la numa estrutura épica, bem ao estilo do diretor baiano. Com a ocupação
da área longitudinal e das laterais do
Teatro Vila Velha, o espetáculo se compõe de imagens da permanente luta das
guerras políticas e individuais, em movimentação grupal, marcada por percussão
vigorosa e iluminação expandida. Com recursos a praticáveis que oscilam em
planos mutáveis, as cenas ganham mais intensidade quando se armam como coreografia
coletiva. Ainda que sem maior autoridade na apropriação da palavra, o
inexperiente elenco procura encontrar a métrica das falas, demonstrando uma
percepção, senão extensa, pelo menos aproximada do que dizem.