quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Outros Palcos

Salvador

Crítica/ Troilus e Créssida
 Coreografia coletiva encena a palavra de Shakespeare

A montagem deste texto de Shakespeare, pouco encenado pela complexidade de sua arquitetura dramatúrgica, fundamento histórico e dubiedades dos sentimentos humanos que explora, está em cartaz no Teatro Vila Velha, em Salvador, com direção de Márcio Meirelles. A ousadia de trazer à cena essa épica-trágica-farsesca-poética narrativa numa versão com jovem elenco, sem qualquer experiência anterior, não deixa de ser um risco considerável. As limitações e dificuldades inerentes a um projeto tão ambicioso foram, bravamente, contornados pela demonstração deste grupo de 35 atores que cumpre com extremo empenho a difícil tarefa de se lançar na construção de uma cena vibrantemente arejada. Os atores, com média de idade em torno dos 20 anos, a maioria sem nunca ter pisado em um palco, selecionados para a 28ª montagem do Curso Livre de Teatro da UFBA, revelam nesta primeira ocupação de um palco que deram partida para levar adiante o aprendizado que, se continuado, pode resultar em carreira para alguns. A intensa, ao que se imagina, preparação do elenco tão cru se torna mais notável quando defrontado com trama em que luxúria e lutas hostis se confundem em ações motivadas por razões pouco dignas da coragem e honra evocadas para os atos heróicos. Fixada numa complexidade de citações (a maioria inacessível ao espectador contemporâneo) e no paralelismo do entrecho, num jogo cênico de dezenas de personagens em ação quase simultânea, Troilus e Créssida é uma empreitada árdua diante das suas possibilidades de encenação, que se faz possível na atualidade ao apostar, unicamente,  na força da linguagem e na sua poética exuberante. A palavra, mais do que a ação, deve corporificar-se como cena, fazer-se ouvir como teatro. Parcialmente, a encenação de Márcio Meirelles se apropria da palavra shakespeariana, tão cuidadosamente traduzida por Barbara Heliodora, para lançá-la numa estrutura épica, bem ao estilo do diretor baiano. Com a ocupação da área longitudinal  e das laterais do Teatro Vila Velha, o espetáculo se compõe de imagens da permanente luta das guerras políticas e individuais, em movimentação grupal, marcada por percussão vigorosa e iluminação expandida. Com recursos a praticáveis que oscilam em planos mutáveis, as cenas ganham mais intensidade quando se armam como coreografia coletiva. Ainda que sem maior autoridade na apropriação da palavra, o inexperiente elenco procura encontrar a métrica das falas, demonstrando uma percepção, senão extensa, pelo menos aproximada do que dizem.