domingo, 29 de novembro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (29/11/2015)

Crítica/ Uma Ilíada”
O ator diante da grandeza da epopéia
É como se fosse um aedo (artista que cantava epopéias na Grécia antiga), narrador de feitos e arauto que empresta a voz para relatar a guerra camuflada em sentimentos pouco nobres. “Uma Ilíada”, da dupla americana Lisa Peterson e Denis O’Hare, transcreve o poema épico de Homero, condensando os fatos que deflagraram a Guerra de Tróia pelas palavras do contador dos acontecimentos. A forma de se apropriar da narrativa como monólogo de um fabulador, transformado em libelo histórico que contabiliza os conflitos de todos os tempos, expõe os últimos dias do embate que um cavalo de madeira impulsiona para o fim. O confronto desencadeado pelo príncipe de Tróia, que ao raptar a mulher do rei de Esparta dissemina a luta, vencida, como em qualquer guerra, à custa de destruição de um povo. O original, não comprometido na essência, é mantido pelos adaptadores em comunicação envolvente e acessível pela oralidade frontal na forma de contar. Ao ser fiel ao helenismo e à historicidade, reproduz a participação dos deuses do Olimpo, que tomam partido nos atos guerreiros e revelam as suas próprias disputas. Para a plateia contemporânea, a atualização do formato diminui a distância entre o mítico-poético e a ausência de ação dramática. Mas, o caráter detalhado dos atos bélicos e desígnios de oráculos dilui a descrição cênica, que, inevitavelmente, contrai  a grandeza da obra fundadora de Homero. “Uma Ilíada”, que surpreende com a síntese denunciadora na última cena, é uma aproximação corajosa de clássico, que se conecta ao espectador como proposta de suave fruição. O ator e diretor Bruce Gomlevsky encontrou na tradução de Geraldo Carneiro, o vínculo dos espaços literário e teatral. A  atuação ritualiza a conversa, apresentando a história para trazer o que a belicosidade da aventura humana guarda de persistência. De uma mandala, circunscrita por velas, Bruce canta orações com voz poderosa, elevando ao plano litúrgico impulsos rasteiros. Para em seguida, mudar o tom, e falar sem impostação e de maneira direta, sensibilizando, com olhar fixo e gesto desenhado, para o que diz com comedida eloquência e apaixonada compreensão. A sua interpretação reflete a integridade com que o diretor transpôs para a linguagem de todos nós, a carga do poema épico de sempre.                    

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Temporada 2015

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (25/11/2015)

Crítica/ “Race”
Imagem desfocada do preconceito

David Mamet, autor de “Race”, coloca em perspectiva dramática questões candentes da sociedade americana, universalizando seu alcance pela agudeza de observação no confronto dos argumentos. A ironia e a dúvida, que comandam seus diálogos, repletos de perguntas desconcertantes e afirmações não concluídas, estabelecem o terreno arenoso em que se movem personagens de fala cínica e olhar dúbio. Os conflitos, ligados a disfunções familiares, desonestidade intelectual ou exposição de preconceitos, são reveladores do esgarçamento de uma teia social à beira da ruptura. Não há  áreas de escape para além das evidências dos atritos com que máscaras e injustiças arranham conceitos e idealizações, e diante dos quais Mamet aponta a hipocrisia das convenções. Em “Race”, um homem branco, acusado de estuprar uma mulher negra, contrata para defende-lo escritório de advogacia cujos sócios são também um branco e um negro. É secundário se a causa deve ser aceita ou será vencida. Se razões éticas ou manobras jurídicas devem ser invocadas. O texto está distante do drama de justiça e da trama policial, o que se constrói são os escaninhos que abrigam as várias formas preconceituosas de ideias estratificadas. Nas atitudes residuais, nas palavras que induzem e na obscuridade das intenções se desvenda o que está por trás da ação. Pergunta-se a procura de respostas que se querem incontestáveis, como monólogos em série que mostram a extensão das mentiras. Gustavo Paso conduz o espectador por essa trilha dissimulada com o cuidado de não demarcar limites e indicar rumos. A direção deixa que o autor balize a montagem e que das contraditórias vozes de cada um surja a verdade de todos. Com apoio da fluente tradução de Leo Falcão, da cenografia sugestiva de Luciana Falcon e Gustavo Paso, da iluminação sutil de Paulo Cesar Medeiros e da trilha precisa de André Poyart, o diretor avança com simplicidade na costura narrativa de Mamet, em dialética cênica que acompanha as diversas camadas dos argumentos, fiel às rubricas. A arquitetura bem desenhada do texto, ao qual Gustavo Paso seguiu com rigor, respeito e entendimento, permite que se acompanhe com prazer uma dramaturgia inteligente. O quarteto de atores, que têm interpretações adequadas, está afinado em tonalidade um pouco acima da sonoridade cáustica das provocações do texto. As atuações adquirem força sanguínea e raiva represada, que trazem ao primeiro plano o que poderia ganhar mais se projetadas como ambiguidades. Yashar Zambuzzi sofre do efeito contrário, pela excessiva timidez e contração do  rico empresário acusado de estupro. Heloisa Jorge, a advogada assistente, se mantém num único registro, sem variantes na linearidade de sua contracena. A dupla Gustavo Falcão e Luciano Quirino leva às altitudes da explosão os movimentos subterrâneos dos advogados centrais da trama. Adotam uma carga de intensidade nervosa que contraí a racionalidade do debate. Mas ambos, mesmo seguindo uma linha que poderia ser atenuada, emprestam dignidade e segurança no mergulho interpretativo em personagens complexos.        

domingo, 22 de novembro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (22/11/2015)

Crítica/ “Ideia fixa"
Jogos verbais impostos pela presença masculina
Adriana Falcão é uma malabarista das palavras. Joga-as no ar em traços rápidos, algumas vezes no sentido contrário ao que querem dizer e em velocidade que até pode escapar-lhe o alvo. Em “Ideia fixa”, a autora exercita com agilidade esses malabares verbais para contar da expectativa de duas mulheres, presas a um mesmo homem, até a libertação. Sem nomes, ligadas pela rivalidade no feminino e na dependência do masculino, marcadas por antiga sujeição, estão à espera de se liberarem da onipresença dele e da própria insegurança. Confinadas num espaço em que aguardam chegar a alguma decisão, disputam aquele que as mantém na esperança da reconquista e para quem amar se conjuga em outros tempos. As duas se unem na tentativa da volta improvável, em longo diálogo de submissão ao desejo e anulamento das vontades. Num bate-pronto em que uma afirma e a outra desmente, uma avança e a outra recua, a narrativa se enreda nas palavras que circulam em torno de um eixo dramático único. É o homem que determina a inação das mulheres e a quem elas respondem, servis, a cada pergunta incômoda. O texto de Adriana Falcão trata menos da rejeição e dor de amor, e mais de visão romântica dos papéis numa relação de gêneros. O que pode sugerir posição tradicionalista e conservadora. Henrique Tavares encena o jogo verbal, explorando a rapidez com que a argumentação é proposta e derrubada, voltando sempre ao ponto de partida. O diretor extrai dessa imobilidade uma dinâmica que faz a ação subterrânea emergir até a superfície do desfecho. Apesar do distendido percurso, alcança com relativo êxito o final da jornada libertadora. O cenógrafo e figurinista Ronald Teixeira é quem melhor interpreta e situa o estado oprimido das mulheres. Localizando a trama em uma sala de espera, recoberta por capas de revistas, e vestindo as personagens com roupas de época, referenda os sentimentos expectantes e aponta na roupagem fora de época, o desgaste dos sonhos idílicos. O constante folhear das revistas e os movimentos inacabados em direção ao cabide com novas roupas complementam a integração do visual revelador às vozes encobertas. A iluminação de Beto Bruel amplia o aspecto solar da ambientação. A trilha sonora de Rodrigo Penna e Ricco Vianna tem projeção acessória. Rodrigo Penna se mostra arredio em assumir o descompromisso afetivo daquele que povoa imaginações amorosas. Silvia Buarque acentua a timidez da hesitante personagem, que fica ainda mais contida pela voz, às vezes, velada da atriz. Guta Stresser agarra o papel com muita vontade, ameaçando leva-lo por um rumo oposto ao de suas emoções. Mas o reencontra numa interpretação forte e amadurecida.             

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (18/11/2015)

Crítica/ “O beijo no asfalto”
Nova trilha para um beijo 

A versão musical de “O beijo no asfalto” impõe ao texto de Nelson Rodrigues uma pulsação diferente. O gesto de Arandir ao beijar um desconhecido, atropelado por lotação na Praça da Bandeira, não perde a integridade narrativa com a introdução de trilha sonora. Ganha musicalidade paralela, absorvida organicamente pela trama, sem qualquer enfraquecimento do original. São canções escritas por Claudio Lins e outras tantas da década de 1960, ano em que a peça foi escrita, que ilustram e comentam a manipulação perversa de um ato de bondade. A ação adquire a cadência de um metrônomo dramático, no qual o ritmo é marcado pela música que antecipa e avalia numa forma de distanciamento e de decantar a emoção. A musicalização, ao mesmo tempo em que funciona como apoio, não interfere apenas como adereço ou aposto à corrente narrativa. Dialoga com o entrecho se tornando um elemento a mais que dimensiona, sob ótica sonora, a “tragédia carioca”. As músicas e letras   de Claudio Lins se insinuam no formato de coparticipação, integradas ao fluxo dramático sem roubar-lhes intensidade e coesão, criando uma terceira e fluente via expressiva. O diretor João Fonseca equaliza som e palavra em frequência única, modulando a interferência das canções no frasismo rodriguiano, ressaltando a convergência rítmica de pontos, aparentemente, dissociados. A habilidade com que Fonseca introduz as músicas evita que se desprendam do eixo do texto, articulando o quadro geral, similar a uma legenda que complementa a fotografia. A primeira cena, que antecipa a final, baliza toda a encenação no modo como costura o drama ao musical, anunciando uma base possível de dramaturgia nativa para o gênero. Ainda que a trilha não seja excepcional, e a direção esbarre em  alguns descompassos, a versão atual de peça tão encenada recebe sopro cênico que traz outros ares ao teatro de Nelson Rodrigues. O cenário de Nello Marrese, com aramados móveis e páginas de jornal, cria espaços vazados para as trocas de ambientes. A iluminação de Luis Paulo Nenén penetra por entre a trama do cenário, retirando belos efeitos. A ausência de urdimento no palco do Teatro das Artes prejudica melhor aproveitamento do desenho visual da montagem. O figurino de Claudio Tovar concede maior reverência ao teatro musical do que ao vestir os personagens de “O beijo no asfalto”. A direção musical de Délia Fischer e o conjunto de músicos acompanham o elenco com boa formação vocal. Em papéis mais episódicos, Ricardo Souzedo, Juliana Marins, Juliane Bodoni, Pablo Ácoli e Gabriel Stauffer procuram destacar-se nas suas pequenas intervenções. Janaína Azevedo é uma vizinha de voz poderosa. Jorge Maya faz  do assessor de delegado um sambista. Claudio Tovar e Thelmo Fernandes desempenham com vontade a pusilanimidade do delegado e do jornalista. Yasmin Gomlevsky interpreta com malícia a irmã Selminha. Gracindo Jr. surpreende como cantor. Claudio Lins compõe mais no físico do que no temperamento o atormentado Arandir. Laila Garin demonstra estar vocacionada a qualquer tipo de musical, além de confirmar  suas qualidades de atriz.            

domingo, 15 de novembro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (15/11/2015)

Crítica/ “Nordestinos”
Retrato postado da diáspora nordestina
São cartas escritas por emigrantes nordestinos que vieram para o Rio e São Paulo tangidos  pelos imutáveis problemas regionais, mas que carregam a identidade da terra de onde saíram. Retirantes pelas dificuldades que deixaram para trás, procuram viver outra história sem perder o fio da meada que começou a se desenrolar no sertão, na pobreza e na miséria. Os depoimentos buscam a correspondência  entre os significados que a nova vida adquiriu desde a chegada e de como se confrontam na realidade os sonhos da partida. Enraizados na geografia e cultura do nascimento, refazem a narrativa pessoal mirando o que trazem da origem. Ajustados alguns, desgarrados outros, todos lembram de onde vieram e o que provocam nos que os recebem. Viver fora de casa para encontrar outra moradia não os desabriga do primeiro teto, e as cartas são expressões dos vínculos que a distância do presente  aproxima da permanência do passado. As histórias reunidas em dramaturgia de Walter Daguerre mistura os tempos e desarruma a sequência para refazer o percurso difícil de nordestinos até a fixação em pouso nem sempre muito receptivo. Os aspectos sociais que movem a diáspora têm o peso da alusão. O que o autor ressalta são os laços que se conservam mesmo à distância, e os diversos apontamentos que marcam a cultura regional. Há comentários divertidos sobre a comodidade de encenar textos de Ariano Suassuna, ao contrário de propor uma dramaturgia original. A farsa,, a comédia de costumes, além do teatro de mamulengo e a oralidade dos repentistas aparecem como formas de interligar as histórias, que o cenário solar e os figurinos coloridos de Karla de Luca ambientam com simplicidade. O diretor Tuca Andrade ativou a versatilidade do texto com a rapidez com que as cenas se desenvolvem, mantendo um ritmo inquebrável. Talvez  faltasse ao diretor maior ambição e detalhamento nas tessituras que a dramaturgia oferece, preferindo explora-las com o humor e a “nordestinidade” natal dos atores. Mas a escolha do diretor se mostra acertada pela  comunicabilidade que estabelece com a plateia. O elenco – Alexandre Lino, Natália Régia, Paulo Roque e Rose Germano – demonstra  integração bem humorada no cultivo da sinceridade de seu sotaque nordestino.   

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (11/11/2015)

Crítica/ “Inútil a chuva”
Família remando para se manter na superfície

O importante é se manter na superfície, continuar remando apesar de não se ter aonde chegar. A imagem de uma mulher e seus três filhos em um barco é o ponto de partida de narrativa poética-familiar-plástica que se move ao encontro do perdido. Na trajetória estão um homem, pai e pintor suicida, e um quadro, antes desprezado e agora cobiçado. Esse grupo a deriva vagueia entre a reconstrução de lembranças deixadas pela ausência, e pela valorização de obra que só ganha vida após a morte. A dramaturgia de Paulo de Moraes e Jopa Moraes navega pelo realismo de uma família em estado bruto e pelo simbolismo da arte como duvidoso meio de troca. Os autores condensam na cena inicial dos remadores, que se repete ao final, os movimentos inúteis de compreender os mistérios dos sentimentos e o imponderável da criação. Aparentemente dissociada e sem unidade, a ação conduz a um espaço menos dramático e mais visual. O percurso não é linear, mas pictórico, revelando camadas de tintas ilustrativas que competem com o traço expositivo. São sequências que se desorganizam como narração para estender a força do retrato até ao ponto da ruptura com a palavra. O entrechoque denuncia o desequilíbrio do texto construído aos pedaços e fracionado em diálogos curtos como contraplano de um painel. O diretor Paulo de Moraes tem revelado nas últimas montagens o depuramento de suas experiências cenográficas. Ao lado de Carla Berri, avança com inventividade e efeitos de impacto na ambientação de “Inútil a chuva”. O cenário surpreende pelo inusitado do barco e beleza do janelão e pela plasticidade de taças e copos com líquidos coloridos que transmitem, no translúcido do vidro, as dissimulações de uma festa. A iluminação de Maneco Quinderé é decisiva, quase coautora, na teatralidade da cenografia. O figurino de Rita Murtinho e a direção musical de Ricco Viana são elementos de discreta intervenção. As oito pinturas do artista suicida mencionadas na abertura de cada uma das cenas estabelecem a linha do entrecho, que a direção transforma em “quadros vivos”. Paulo de Moraes perde a coesão ao alinhavar, cenograficamente, as contrastantes e desconexas relações dramáticas, impulsionando-as pelo que propõem como imagem. O elenco se ressente de ser figurante desse tableau, figuras fixadas na composição de um mural. Patricia Selonk recorre a seu registro particular de intérprete para comandar a navegação tortuosa da família disfuncional. Leonardo Hinckel ainda não demonstra recursos para sustentar o garoto sensível e tímido. Amanda Mirasci corresponde ao papel integrador da jornalista. Andressa Lameau e Tomás Braune têm atuações intensas como os filhos rebeldes. Marcos Miranda está mais convincente nas cenas intimistas do que nas de demonstração física.  

domingo, 8 de novembro de 2015

Temporada 2015

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (8/11/2015)

Crítica/ “Kiss me Kate!”
 
Porter e Skahespeare em sintonia com Petrucchio e Catarina 

A comédia musical de Sam e Bella Spewack recria as brigas de bastidores que casal de atores americanos transferia para o palco enquanto corria em paralelo a encenação de “A megera domada”. A história é verdadeira e aconteceu em 1935, e a dupla de libretistas convidou Cole Porter para musicar as desavenças reais dos Lunts e as ficcionais de Shakespeare. O paralelismo é duplamente clássico. A estrutura do musical, estreado em 1948, tem no teatro a trama que apoia a evasão do gênero, reiterando suas características, mas com dramaturgia e trilha de qualidade. Porter e Shakespeare são eternos, e reuni-los para o divertimento inteligente passa ao largo de seguir fórmulas ou quebrar regras. “Kiss me Kate!” é duradouro como são os produtos comerciais que não barateiam o valor da mercadoria, subjugando-a aos enganosos apelos da bilheteria. A montagem de Charles Möller (direção) e Claudio Botelho (versão brasileira) ainda que fiel ao espírito dos musicais do circuito Broadway-West End, tem respiração nacional e rigor próprio de execução. A tradução de Claudio Botelho, tanto das canções quanto do texto, alcança alto padrão, aclimatando-se ao nosso idioma com sonoridade fluente  sem trair a musicalidade original. As letras de Cole Porter, sejam as de dubiedade maliciosa (“Homens, não!”), as de poesia romântica (“Wunderbar’), e as de puro brilho (“Mais uma estreia”) ganham vocalização que chega aos ouvidos, intermediada por rimas enriquecidas pela transposição do sentido. A melhor e mais criativa delas é a versão de “Chama o Shakespeare!”, que Botelho adapta da paródia ao teatro americano para comentários bem humorados sobre o atual panorama do palco brasileiro. E com direito a autocrítica. O abrasileiramento se estende à direção que reuniu elenco, músicos e técnicos do melhor nível local de profissionalismo. A direção musical, regência e adaptação dos arranjos de Marcelo Castro e a orquestra de músicos competentes, inundam o espetáculo em sintonia fina com as envolventes melodias de Cole Porter. Alonso Barros segue, como citação, o estilo coreográfico de tantos outros musicais. A cenografia de Rogério Falcão vai pela mesma linha, com telões pintados e maquinaria funcional. O figurino de Carol Lobato mescla as roupas de época com o colorido das vestes do show-business. Arrematando o quadro de bom acabamento, destacam-se a iluminação de Paulo Cesar Medeiros  e o visagismo de Beto Carramanhos. O elenco de 22 atores, cantores e bailarinos formam coeso ensemble no qual  o protagonismo fica por conta das oportunidades oferecidas pelos papéis. Fabi Bang é a perfeita loura sexy, e Will Anderson um cômico de burlesco. Jitman Vibranonski tem físico para compor figura senhorial. Ruben Gabira se mostra um dançarino em passos de humor. Guilherme Logullo sapateia acrobaticamente e Chico Caruso cumpre a função de personalidade em cena. Alessandra Verney, com seu alcance vocal e presença atraente, duplica suas habilidades como Lili e Kate. José Mayer interpreta Fred e Petruchio com os recursos maduros de ator e solta a vigorosa voz de barítono com a autoridade de ótimo cantor.