quinta-feira, 2 de agosto de 2012

27ª Semana da Temporada 2012


Cartazes De Um Mesmo Teatro

Poeira

Crítica/ O Outro Van Gogh
Interpretação límpida
O relacionamento dos irmãos Theo e Vincent Van Gogh demarcado por intrincados novelos emocionais que os ligaram, tem exercido atração irresistível para transpô-lo aos palcos. Em forma de monólogo, baseado nas cartas que trocaram ao longo da intensa permuta de afeto, devaneios crueldade e demência, a correspondência deixa entrever os liames da criação de um artista fulgurante e o fraterno e difícil papel de fazer com que o seu tempo aceitasse a forte intensidade de obra e criador atormentados. O texto de Maurício Arruda Mendonça não foge ao formato e muito menos à fonte, mas avança na observação dos conflitos dos irmãos através de Theo, capturado num estado mental confuso, percorrendo a convivência com Vincent, misturando-se a ele, em alternância entre lucidez e delírio. A sua própria história, tão culposamente ligada a do irmão, o passado comum, as dificuldades como marchand de Van Gogh, convergem com introspectiva poética e dramático realismo para narrativa condensada e escorreita. A direção de Paulo de Moraes se reflete no espaço cênico despojado, com apenas cadeira e luminária, área vazia a ser preenchida pela projeção interpretativa do ator em salto solo. Não há firulas desviantes diante da concentração proposta pelo texto. O rumo adotado por Moraes é o de conduzir-se pela mesma linha que as palavras emocionalmente inflamadas lançadas por Theo percorrem até encontrar tradução emotivamente controlada. Tem êxito nesta adequação texto-cena, não só pelo ator, mas também pelo excelente iluminação de Maneco Quinderé, que desenha com extrema sensibilidade a área da representação como prolongamento da intensidade projetada pelo intérprete. E o intérprete, Fernando Eiras, inscreve o seu temperamento de ator nos desvãos entre loucura e lucidez do personagem, se fazendo Theo em vivo diálogo com Vincent. Uma atuação límpida.          


Crítica/ Eu É Um Outro
Poesia atropelada pela pesquisa 
O texto de Pedro Brício parece ser obra de encomenda. Não que o autor de dramaturgia tão variada quanto interessante não demonstrasse intimidade com o tema, afinal algumas de suas peças têm consistente viés histórico. Mas neste caso, a vida do poeta francês Arthur Rimbaud resultou em investida por demais demarcada por pesquisa, que por mais que Brício tentasse diluí-la, se sobrepõe à sua escrita. Ao criar para além de narrativa sobre o poeta histórias paralelas, passadas em épocas diferentes que convergem para a de Rimbaud, presente em cada uma delas e mediadas por citações, o artifício não resulta. O recurso parece ter sido usado para evitar a tradicional compilação de fatos biográficos e descentralizar a ação dramática. Os efeitos se mostram limitadíssimos. De início, provoca situação teatral saturada, em que todas as informações sobre a vida do poeta são metralhadas numa sucessão de acontecimentos disparados para encerrar o assunto e partir para a pretendida dramaturgia. O clima de ensaio e o paralelismo são frágeis, gera reação inversa (evitar o convencionalismo), evidenciando a pouca disponibilidade de Brício para embalar melhor a pesquisa. A diretora Isabel Cavalcanti procura intensificar o material dramático, impondo ritmo acelerado, recorrendo a transformações rápidas entre as histórias, acelerando o que no texto se revela ralentado. Mas toda essa movimentação é apenas relativamente eficiente, já que os descompassos da escrita se evidenciam mais do que se encobrem. As projeções atenuam o nada inspirado cenário. André Marinho é, entre todos do elenco, aquele que ao se desdobrar em vários personagens, alcança melhor rendimento. Ana Abbot investe numa linha mais penetrante, mas que pouco desenvolve. Lorena da Silva está algo gauche, especialmente no discurso final da tradutora. Alcemar Vieira e João Velho têm intervenções insatisfatórias.        


CCBB

Crítica/ Histórias de Família
À distância dos jogos de guerra
O Amok completa com Histórias de Família a sequência de encenações de que fazem parte O Dragão e Kabul, e que o grupo denominou de Trilogia da Guerra. Em relação às anteriores, a atual montagem adota maior variação de estilo e menor adensamento de dramaturgia. A guerra atual se refere ao embate das províncias iugoslavas e o esfacelamento de vidas através dos jogos infantis e do desfocar dos olhares adultos para a violência . Geográfica (a ex-Iugoslávia) e estilisticamente (a forma se contrapõe ao conteúdo) a montagem e adaptação de Ana Teixeira e Stephane Brodt para o texto de Biljna Srbljanovic é por demais situada em conflito determinado, explorado através de distanciamento, quebrando o tensionamento jogo de guerra- jogo cênico. Ao reproduzir os efeitos da guerra em núcleos familiares, representados como estilhaços da barbárie circundante, os atores deste play-ground absurdo anti-bélico adotam tom desconcertante para tratar de situações violentas. Palavra e imagem se manifestam em dissociação, como se pretendesse amaciar a relação com a platéia, tratando tema espinhoso de modo atenuado. As ressonâncias da guerra nas representações familiares quando confrontadas com as escaramuças em vídeo e em outros sinais do conflito (estandarte com referência a União Européia, roupas banhadas em tina de sangue) ficam enfraquecidas. A distância se acentua ainda mais pelo estranhamento formal que o texto propõe e que a encenação do grupo carioca confina em invólucro europizante. A projeção dessa guerra rebate fragilmente sobre o espectador, que assiste a cenas como se de drama de comportamento se tratasse, até que a guerra se revele como tragédia coletiva. O artesanato do Amok se mantém com o mesmo acabamento das montagens anteriores, ainda que a serviço do encerramento de trilogia em que a guerra esteve melhor enfocada nos espetáculos anteriores.   


Crítica/ Raimunda, Raimunda

Francisco Pereira da Silva, autor piauiense de Raimunda, Raimunda, reunião num único espetáculo, dirigido por Regina Duarte, de dois de seus textos (Ramanda e Rudá e Raimunda Pinto), tem sua obra fixada na cultura nordestina e dramaturgia excessivamente incensada. Faz parte da história do espetáculo carioca a encenação do Teatro dos Sete, com Fernanda Montenegro e companhia, de O Cristo Proclamado, escrita por Pereira e registrado como retumbante fracasso de público no Teatro Copacabana na década de 60. A aceitação da obra do autor, sempre sofreu esse descompasso com a bilheteria, sendo destacada as suas variadas qualidades, mas repetidas as suas dificuldades de ser levada ao palco. Mais uma vez, esse descompasso fica à descoberto pela inadequacão da montagem em interpretar um texto, aparentemente, mais passível de ser avaliado como literatura dramática do que como peça teatral. O que se assiste no Teatro I é pouco mais do que encenação equivocada em desmedida inexpressividade. O primeiro texto, com caráter fantasioso, voltado a questões pré-ecológicas e  afins, é ingênua em sua conformação de denúncia-protesto, na qual a diretora embarca no mesmo nível primário das elocubrações do autor em torno de desastre atômico. O segundo, bem mais ajustado ao espírito da dramaturgia de Pereira da Silva, não deixa também de ser ingênuo, ensaio de comédia de costumes que se perde a meio do caminho. A intervenção da diretora não evoluiu muito frente a peça-esquete anterior. Confusa, amadora, pobre, sem invenção, desorientada, a montagem segue o desenvolvimento da trama, acentuando as suas fraturas e ampliando o seu envelhecimento. Com visual improvisado, figurinos grotescos, iluminação e música inexpressivas, Raimunda, Raimunda não se sustenta nem mesmo pelo elenco, esforçado, mas irremediavelmente fraco.        


Ipanema

Crítica/ Pop Corn – Qualquer Semelhança Não É Mera Coincidência
Sem citações e originalidade
Como é do seu jeito maleável de incorporar em suas peças múltiplas influências e citações, Jô Bilac resolveu em Pop Corn falar, diretamente, de inspiração e posse de imaginação alheia para alimentar a sua própria. É esta, pelo menos, a justificativa do autor para utilizar esse mote na comédia de trama rala que desenvolve com pouca invenção e nenhuma originalidade. Os tipos, rascunhos de personagens, não passam de clichês de comportamento. Os diálogos, vazios e nada comunicativos atingem alto grau de vulgaridade. A narrativa, falsamente desconstruída, acaba por ficar atabalhoada, para o que a direção conjunta de Jô e Sandro Zangrandi não se furta de dar sua melhor contribuição. Com cenário convencional de Nello Marrese, figurinos exagerados (os femininos) de Natália Lana, iluminação de Tiago Mantovani, a montagem tem elenco em que Xuxa Lopes tenta projetar a atriz usurpadora com algum charme, enquanto Maria Maya recorre a uma certa frescura maldosa como a esposa. Mabel Cezar é presença apagada. Os atores – Cássio Pandolfi e Vinícius Arneiro - ficam em plano secundário, como seus inexpressivos personagens. 

Crítica/ Dentro
Falta de mira dos tiros coletivos
Sob o titulo de Dentro, esse espetáculo inclui no texto Michel Blois, argumentista e diretor, e mais o grupo Pequena Orquestra formado pelos atores da montagem e ainda Átila Calache, todos assinando a criação (do texto e da encenação?). São muitos para sustentar algo que, como obra final, não é demonstrativo do trabalho de tantos. A excessiva contribuição de vários, não chega a se tornar um ensemble, menos ainda orgânica criação coletiva capaz de se constituir em narrativa, seja linear, crítica ou inovadora. Cenas espasmódicas costuradas pela arbitrariedade da dramaturgia, os criadores se enrolaram durante o processo, acumulando  pedaços, flashes, fragmentos, que é o que, verdadeiramente, chega ao palco. É neste enquadramento que os atores levam a sua performance,. São tiros sem alvo, que Fabrício Belsoff, Fernanda Félix, Joana Lerner, Michel Blois, Pedro Henrique Monteiro, Rodrigo Nogueira e Thiara Maia detonam. A maioria ou totalidade deles, se perdeu na sala de ensaio por falta de mira. 

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quarta-feira, 25 de julho de 2012

26ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ O Livro de Itens do Paciente Estevão
Ser ou não ser um nome 
A cena se constrói a partir do romance do americano Sam Lipsyt, em que um homem, herói anônimo do nosso tempo, é diagnosticado com doença terminal para qual há o diagnóstico (a morte), mas da qual ninguém ainda morreu, por que desconhecida. O mal que persegue esse homem, chamado Estevão, ainda que seu nome não seja este e nem qualquer outro que se fique sabendo, não aceita desaparecer sem razões justificáveis para a ausência de cura. Vai à procura de curar-se por que meios que personagem de saga contemporânea imagina possível: a seita que recupera, violenta e cruelmente, almas, e a estúdio multimídia de roteiros de reality shows. O que acomete Estevão, ou que lhe atribuem como desígnio fatal, poderá ser a inevitabilidade da finitude da condição humana ou doenças sociais com que a atualidade nos contamina? Não há respostas, mas tão somente a peregrinação de indivíduo de uma época de interrogações pelo mundo das sensações, trituradas pela banalidade. Perder a mulher, matricular a filha na Escola Para Crianças sem Afeto, ser enquadrado na legião daqueles que sentem “falta generalizada de propósitos de viver” e ouvir correções semânticas que atualizam o conceito de prostituição como “compartilhamento de experiências”, são reflexos do cenário que ambienta da vida do inominado Estevão. Ao anotar os itens do seu mergulho em direção à fuga da condenação, experimenta remédios que o mundo fracionado por diluições e a fatuidade da cultura pop oferecem a tantas insatisfações normatizadas. A saga que retrata Estevão com anti-herói de sua época, contraponto de um Hamlet ocasional, idiota de vaga lembrança literária, mamute existencial em vias de extinção, é representação de vítima condenada por veredictos coletivos. Felipe Hirsch mergulhou neste percurso com igual intensidade com que se identifica com a cultura pop, através da música e da fixação por listagens, e pelo uso de múltiplos recursos cênicos que dialogam com a ambiente desse universo. Na exploração da linguagem, seja reduzida à necessidade significar pela atribuição de nomes (“estou lixando para o nome. Só quero viver”) , seja ao ampliar os meandros da expressão cênica para inflar de estilos a tragicomédia de anestesiados sentidos, o diretor não economiza recursos. Generoso no tempo (são cinco horas de duração), excessivo na arquitetura (integra a tecnologia com elemento pulsante da cena), contido na facilitação (explora com extensiva liberdade a sua criação), anárquico no rigor (multiplica estilos para uniformizar inquietações), a montagem se propõe como fruição, túnel iluminado por vários faróis do qual se sai com envolvente percepção de que o teatro instiga, provoca e se revigora constantemente. E para nos lembrar que os túneis cortam montanhas para abrir passagem.

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sábado, 21 de julho de 2012

Cena Curta


Mostra Sesc São Paulo 2012
O-Z: experiência em torno da linguagem
Pela 15ª vez o Sesc paulista realiza mostra de arte que reúne várias manifestações – artes plásticas, música, cinema, literatura e teatro – com participação de produções nacionais e internacionais. São mais de 70 intervenções nas unidades da instituição espalhadas pela capital paulista, sob a perspectiva de “estimular indefinições e suspensões em relação às gavetas em que costumamos encaixar nossos costumes, nossa convivência e nossa percepção sobre a arte”. Na área teatral, essa visão se estende para grupos e companhias, daqui e de fora, que até o dia 29 de julho percorrem campos exploratórios da linguagem cênica contemporânea. Segundo a curadoria da mostra de teatral, “as escolhas foram pautadas por obras que revisam procedimentos e/ou convenções pré-estabelecidas, em que as matrizes tradicionais são revisitadas sob novas perspectivas ou que tenham como principal característica a apropriação e releitura estética, colocando em debate a ressignificação ou reestruturação do jogo  teatral e a exposição ou implosão das estruturas (ou "regras do jogo") que compõem a cena. Algumas das produções presentes também são marcadas pelo hibridismo de linguagens ou pelo uso criativo de novas tecnologias e o que notamos na relação final é a abrangência de temas de interesse e o diálogo com modelos consagrados na composição de novas proposições estilísticas”. Em edições anteriores, a mostra exibiu nomes significativos da cena atual como Kazuo Ohno, Christoph Schlingensief, Patrice Chereau, Olivier Py, Bob Wilson, Ariane Mnouchkine, Enrique Diaz, Felipe Hirsch, Gerald Thomas, Michel Melamed. Na atual, os curadores levaram aos limites da radicalidade as suas fundamentações teóricas, com a importação de grupos internacionais e a fixação de companhias brasileiras. Alguns exemplares de um novo jogo teatral proposto pela Mostra Sesc 2012 de teatro:

O Poder da Loucura Teatral
Jan Fabre e Cia Troubleyb (Bélgica)
Experiência de performance cênica de Jan Fabre
O espetáculo, originalmente criado na década de 80,  com atores, bailarinos e cantores de diferentes países, propõe nesta encenação performática de 4h20 de duração, a subversão e inversão das convenções e formas artísticas clássicas e tradicionais, acrescentando fatos e reflexões sobre o desenvolvimento do teatro nos últimos 20 anos. Apresentada em quatro idiomas, como forma de afirmar seu potencial de tecer uma apologia e simultaneamente uma crítica à globalização e uniformização do mundo, a obra de Jan Fabre  investiga as possibilidades do poder transformador do teatro, mesclando linguagens e referências - como as de Hans Christian Andersen, Richard Wagner, Michel Foucault. A trilha sonora é assinada por Wim Mertens.

O-Z
Cia Fanny & Alexander (Itália)
Versão cabeça de O Mágico de Oz
Três espetáculos distintos fazem parte de ciclo cênico dedicado ao Mágico de Oz, baseado no livro de Lyman Frank Baum e no filme de Victor Fleming. Em Ele, um ditador-ator, obcecado pelo filme, dubla ininterruptamente, assumindo todos os personagens que vê na tela que, ao fundo do palco, exibe o filme com Judy Garland. Em Cidade Esmeralda, a segunda parte da trilogia, é explorada a idéia de miragem e utopia através de entrevistas com quatro dezenas de pessoas, de línguas e culturas diversas, em que o Mágico coordena esse arquivo sonoro de emoções e desejos. Cada espectador recebe fones de ouvido, que criam uma espécie de relação direta com a mente do Mágico de Oz. Na terceira, o público é  “aprisionado” junto com Dorothy por misterioso tipo de encantamento, uma brincadeira com a linguagem capaz de interferir em nossa capacidade de expressar opiniões, de tomar decisões, de dizer sim ou não às coisas que são propostas. Direção, cenário e luz de Luigi de Angelis.

Herói Neutro
New York City Players e Richard Maxwell (Estados Unidos)
Versão minimalista dos Estados Unidos profundo
Apoiado por estética cirurgicamente precisa, o anti-teatro intimista de Richard Maxwell expõe mitos antigos latentes sob a vida moderna americana. Essa ópera country revela-se um épico desconcertante sobre a vida na América mais profunda, através de um tom de neutralidade alienante. No palco vazio, que remete à vastidão do céu do oeste dos Estados Unidos, pessoas comuns relatam passagens de seu cotidiano. Cantam com desnorteante ingenuidade, até que algo misterioso começa a se revelar para além de suas existências, como a violência de heróis trágicos da mitologia, como Ulisses, Gilgamesh ou Enéas.

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quarta-feira, 18 de julho de 2012

25ª Semana da Temporada 2012


Musicais em Duas Medidas

Crítica/ Quase Normal
Vanessa Gerbelli procura dialogar com o coloquial 
O entrecho do musical dramático de Tom Kitt e Brian Yorkey se enquadra em ambos os gêneros, já que o entrecho, um melodrama psicológico musicado, tal como uma ópera com libreto costurado na dramaturgia, encontra na palavra cantada a forma narrativa. A trama está centrada em família que se desorganiza, um tanto mais, com perda progressiva do equilíbrio mental da mãe, consequência do casamento na juventude e da morte de um filho. A construção textual se baseia em peça de definidas características técnicas (diálogos, desenho de personagens, convenção realista). Esse arcabouço é servido por trilha que conduz a ação sem perder o domínio expressivo, apoiando-se na sonoridade das canções como razão e justificativa dramatúrgica. Há entrosamento entre texto e música, narrativa e formato, canto e palavra, em coerência de gênero (musical) e estilo (melodrama). A música de Tom Kitt, na mistura de sons pop e de canções que relembram padrões das composições de musicais, serve à evolução da história e, mesmo sem alcançar maiores ressonâncias, atende às especificidades da trama. As letras, no entanto, e a julgar apenas pela versão brasileira, ainda que funcionem como diálogos e se encaixem no enredo, ficam empobrecidas na tentativa de interpretar a ação dramática. O tom coloquial dos diálogos sofre com o descompasso de tentar revesti-los de força emocional e imagens banais. A direção e versão refletem o que, provavelmente, Tadeu Aguiar pretendeu ao encenar esse musical: provocar emoção e contar uma história que utiliza com habilidade códigos melodramáticos. A montagem expõe essas intenções com cuidados de produção, que se manifestam no cenário bem construído e funcional de Edward Monteiro (as projeções ao fundo ampliam sua dramaticidade), no figurino adequado da Espetacular! Produções & Artes e na iluminação bem desenhada de Rogério Wiltgen. A coreografia, menos satisfatória, pode ser atribuída ao esforço de adaptar passos convencionais a exemplar menos comum de musical. (Como referência, a cena da música Bem Legal). A direção musical de Liliane Secco e os seis músicos demonstram qualidade de execução. Dos personagens que gravitam em torno do núcleo familiar, Gabe, de Olavo Cavalheiro, é o mais difícil por seu caráter etéreo, que o ator sustenta com melhor presença no início, e com maior dificuldade na cena final. Henry, o namoradinho da filha, de Victor Maia, procura se encontrar na trama, na qual é contraponto. O intérprete o conserva em segundo plano. Os médicos, que André Dias encarna, recebem do ator a carga mediana exigidas às suas intervenções. Entre os membros da família, Carol Futuro reproduz a adolescente, algo estereotipada, que o autor imaginou, enquanto Cristiano Gualda se mantém num plano mais musical na maior parte do espetáculo, para dramatizar, um pouco além da prudência interpretativa, nas últimas cenas do marido. Vanessa Gerbelli, a mãe, canta e atua em diapasão levemente áspero, distante das variantes das reações da personagem.


Crítica/ Herivelto Como Conheci
Marilia Pêra canta composições que exaltam a paixão
A declaração de amor, carregada de poesia gongórica que abre o musical pocket que está em cartaz no confortável Teatro Net Rio, sintetiza o relacionamento do compositor Herivelto Martins e Lurdes Torelly por mais de quatro décadas, e captura o espírito e estilo das letras de suas composições. É da inspiração desse texto do início que os autores Yaçanã Martins e Cacau Hygino partem para encadear a série de músicas de Herivelto que embalam a sua vida amorosa ao lado da ex-aeromoça com que viveu até a morte. Veículo para a atriz Marília Pêra voltar ao universo afetivo-musical dos anos 40 e 50 (interpretou na década de 80 o musical Estrela Dalva, biografia da primeira mulher de Herivelto), e da boemia carioca das dores de cotovelo e das paixões radiofônicas. Assim como na relação com Dalva de Oliveira, acompanhada pelo público pelas canções em que Herivelto rasgava o coração dos sentimentos arrebatados, também com Lourdes Torelli, percorre da conquista ao duradouro casamento, orquestrando trilha especialmente composta para a musa inspiradora. O musical (ou seria apenas um recital, ou somente um show cantado por uma atriz?) rememora os acontecimentos que se ligaram ao culto da amada, historiando e introduzindo cada uma das canções. É tudo muito simples. Com despojamento visual (alguns móveis distribuídos pelo palco, discretamente iluminado por Paulo Medeiros), dois músicos (os competentes Thiago Trajano e Marcio Castro) e direção sem invenções de Claudio Botelho, se constrói a cena para que Marília Pêra, tão somente, cante Herivelto. Se é a história de amor que informa a criação das músicas, é a atriz que interpreta os sentimentos que letras derramadas  proclamam. Em pouco mais de 60 minutos, Marília se divide entre canções mais leves, como Amélia na Praça Onze, Cabaré no Morro, Nega Manhosa, que é quando aparece o temperamento da atriz e da entertainer. Nas canções de amor carregadas de dramaticidade, como Camisola do Dia, Recusa, Segredo, Atiraste Uma Pedra ou Culpe-me, Marília desfila repertório que exalta a paixão. E um interregno é pretexto para conversa rápida e simpática com o público, que recebe o espetáculo com a mesma simplicidade agradável como foi concebido.

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quarta-feira, 11 de julho de 2012

24ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ K – Uma Leitura d’O Castelo
O aniquilamento do humano pelo poder despótico
Moacyr Góes, adaptador e diretor da novela de Franz Kafka, em cartaz no Teatro do Leblon, informa, já no título, sob qual perspectiva pretende encenar o desencontro de informações às quais é submetido o topógrafo K, contratado para realizar trabalho em aldeia dominada por entidade onipresente, sustentada por aqueles que propagam a sua autoridade por dissonâncias de vozes. Enredado em indicações contraditórias, perdendo o sentido daquilo para o qual foi, supostamente, designado a realizar, enfraquecendo-se num rastro de ordens desagregantes, K é conduzido à solidão da perplexidade e à entrega ao absurdo. Góes faz a sua leitura da narrativa através de conotação histórica de perseguição do homem do século passado por meio da ascensão nazista. O indivíduo em oposição ao Estado desumanizador e repressivo é esmagado em suas prerrogativas expressivas, mero objeto de manipulação de projetos beligerantes e despótico de poder. Ao designar um significante tão referenciado, o diretor talvez possa ter perdido maior dimensionamento da encenação, apontando para uma causa, mais do que para o estabelecimento de um pathos. Mas Moacyr Góes pretende imprimir a sua leitura e é a partir dela que sua montagem existe e deve ser percebida. O cenário de José Dias é um bom indício do que o encenador pretendeu, com suas figuras (algumas fotograficamente indicadas), bonecos e objetos suspensos por ganchos que lembram sanguinolentos açougues, assim como o figurino de Carol Lobato, definidor e conclusivo da leitura do diretor,  e o visagismo contemporâneo de Beto Carramanhos. A música de Ary Sperling marca  com tonalidade residual o ritmo cênico. Todo esse arcabouço, no entanto, se distancia do clima opressivo e angustiante do entrechoque e desvios das palavras, que desconstroem certezas e individuações. O caráter asfixiante do processo de aniquilamento, a metamorfose provocada pelo pensamento pulverizado, e a construção de forças dominantes estão ausentes desta versão de K. Em espacial na linha interpretativa do elenco. Ricardo Damasceno, Daniel Villas, Sergio Kauffmann e Daniel Carneiro adotam, em níveis diferentes de concretização, impressivas imagens que a caracterização visual reforça. Carla Rosa Guidacci se multiplica em cinco papéis, e em todos projeta um certo distanciamento que contribui para a clareza de cada um. Leon Góes demonstra menos a ação de um poder que descaracteriza de um perplexo K, em favor do drama híbrido do homem que desconhece as forças que agem sobre ele. O ator, de certo modo, dramatiza a crescente submissão, e não a vivencia como mergulho no absurdo. Leon Góes reveste K do casulo político armado por Moacyr Góes, conduzido para deixá-lo, monoliticamente, vestido de vitima.

    
Crítica/ Era Uma Vez...Grimm
A crueldade e a fantasia da realidade dos contos infantis
A abertura dos contos infantis dos irmãos Grimm, o expectante “era uma vez”, é usada para desenrolar narrativas orais, recolhidas pelos fabuladores alemães nesta versão musical para o teatro. Com texto e letras de José Mauro Brant e música de Tim Rescala, Era Uma Vez...Grimm recria no palco do Sesc Ginástico, em edições adulta e infantil, histórias clássicas, como Chapeuzinho Vermelho, Cinderela e O Junípero, informando sobre o caráter, entre cruel e fantástico de algumas delas, e a forma de redenção que finaliza a sua totalidade. A narrativa teatral adota tom explicativo, para justificar a crueza de episódios em que o inconsciente determina atitudes baseadas em arquetípicas memórias. Brant ao introduzir os contos faz sucinta preleção sobre essas características, apresentando rápidos dados biográficos dos irmãos. Esse didatismo explicativo parece destinado a atender à platéia infantil, mais do que a adulta, já que os contos voltados para as crianças, por seu caráter moralizante  e fantasioso, ainda que assustadores,  se vistos pela ótica dos mais velhos podem ser recriados, facilmente, pelas lembranças afetivas. Mesmo que para atenuar choques às crianças e assegurar a elas a mitigação de temores, os autores estabeleceram esse intróito que enfraquece as características intrínsecas das histórias (perversidade, medo, violência) em favor de desnecessária contextualização. A cena inicial, a que comenta o diálogo de Chapeuzinho com o Lobo em imagens sombreadas, acondiciona e serve de anteparo a eventuais reações dos menores. Mas para além deste invólucro inicial, Era Uma Vez... Grimm é um musical bem acabado, com trilha sonora de qualidade, assinada por Tim Rescala, e boas letras de José Mauro Brant. O visual – a cenografia em formato de livro, com bonitas maquetes e delicadas projeções, o figurino, adequadamente negro, e a iluminação bem afinada _ contribui para evocar a origem dos contos, estabelecendo atraente ambientação. O grupo de músicos valoriza a trilha, assim como o quarteto de atores-cantores. Ester Elias se mostra mais à vontade como boa soprano que é, e somente uma relutante atriz. Janaina Azevedo, em ambas as funções, se sai com grande desenvoltura. Wladimir Pinheiro demonstra a extensão vocal de barítono, e em menor escala a de ator, enquanto José Mauro Brant expande mais a sua versatilidade de intérprete do que a de cantor.


Crítica/ 6 Aulas de Dança Em Seis Semanas
Passos da vida marcados por ritmos musicais e afetivos
Esse texto do americano Richard Alfieri, em cartaz no Teatro Maison de France, é comercialmente infalível. Seguindo fórmula de dramaturgia que sabe dosar escrita dramática com contrapesos de comédia, bons sentimentos com relativa medida de realidade para construir situação básica, meticulosamente contrastada, oferece na última cena recompensa de todas as expectativas da platéia. 6 Aulas de Dança Em Seis Semanas cumpre, disciplinadamente, todos esses requisitos, mérito do autor que domina o playwriting  sem perder de vista o fluxo das bilheterias. A peça, que ocupa com competência a função e o papel para os quais foi criada, exerce com perfeito ajuste seu poder de sedução em qualquer temporada, não importa onde. Não sem razão, o texto vem sendo encenado, na última década, em múltiplas cidades pelo mundo. Viúva idosa contrata professor de dança, e a dupla, que aparentemente tem incompatibilidades irreconciliáveis, ao longo da convivência vai desvendando um ao outro. As seis aulas, marcadas por diferentes ritmos, musicais e afetivos, são complementadas por revelações, lembranças e fait divers sobre o dia a dia, sexualidade, doenças, dosando os diversos temas de maneira a conduzir, sem percalços,  o interesse da platéia. Funciona à perfeição. Ernesto Piccolo acompanha com destreza o alinhavado do texto, resultando na montagem em que o casal de atores mantém em passos bem marcados a envolvência bem tramada da narrativa. Para tanto, Piccolo se cercou da cenografia limpa de Vera Hambúrguer, que alinhou na brancura geral as projeções de imagens marinhas e de ocasos solares. E de figurino, um tanto espalhafatoso, de Claudio Tovar, de iluminação correta de Wagner Freire e da presente trilha musical de Fernando Moura. Todo esse aparato serve ao andamento fluído, ainda que um tanto alongado da encenação, mas que deve ser atribuído ao texto, propiciando ao elenco oportunidade de interpretações cativantes. Tuca Andrade confere ar levemente malicioso ao professor de dança, e dosa bem os momentos mais emocionais. Suely Franco imprime vitalidade em atuação que corteja e atinge com simpatia a platéia.  
   

Crítica/ Valsa N° 6
Voz de uma morta em busca do espaço onírico
O monólogo da menina morta, escrito por Nelson Rodrigues em 1951 e dedicado à irmã Dulce Rodrigues para marcar a sua estréia como atriz, ganhou mais uma montagem, desta vez com Luísa Thiré e direção de Claudio Torres Gonzaga. A adolescente Sônia recompõe a própria morte em tempos narrativos que se confundem para armar mosaico existencial. Assassinada quando tocava a valsa de Chopin, confunde-se na procura de sua identidade, revivida em fragmentos de lembranças difusas. Com força verbal típica de Rodrigues, a morta assume voz interior delirante, recompondo, gradativamente (esse é o tempo dramático do texto) o código do conhecimento através da negação. A atual montagem, em cartaz no Galpão do Espaço Tom Jobim, aposta no aparato visual, que de certo modo é dada pelo figurino de Teca Fichinski, que por meio de vestimenta ligada a fios e tecido transparente, completa o cenário onírico de objetos desgastados pelo uso de Sérgio Marimba. É a partir dessa visualidade que se desvenda o espaço de atuação da atriz, entre a evasão do pensamento e o naturalismo de certos momentos. Luísa Thiré explora, parcialmente, esse aspecto onírico, com poucas variações e alternâncias de intensidade. 

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quinta-feira, 5 de julho de 2012

Outros Palcos


São Paulo

Crítica/ Bom Retiro 958 Metros
Subterrâneos explícitos de um bairro 
O grupo Vertigem, na sua intervenção no cenário social, político, humano e urbano, inferido como cena, já utilizou igreja, hospital, presídio e rio poluído como ambientação para que da invenção desses palcos se construísse dramaturgia cenarizada. Questões religiosas, no início do grupo há mais de duas décadas, à epidemia de AIDS, no momento da sua eclosão, até a exposição de fraturas na arquitetura social nas últimas montagens, o Vertigem, mais recentemente, transpõe os limites do espaço para teatralizar áreas urbanas ( O Livro de Jó e Apocalipse 1,11), figurando, ora a  saga do homem brasileiro desde a miséria nortista à condição de lumpen em São Paulo (BR-3). Ou de executivos pendurados em andaimes profissionais, sempre ameaçados de despencar, ética e socialmente de enganosas alturas (Kastelo). Em Bom Retiro 958 Metros, a vertigem cênica aponta para o bairro paulistano, tradicional ancoradouro de emigrantes (antes judeus, atualmente coreanos e bolivianos), que com pequenas indústrias de confecção de roupas se estabeleceu como pólo fabril e de serviços. Com a decadência do bairro, em que muito de sua atividade se refugiou na clandestinidade laboral e as mazelas sociais se acentuaram pela droga, o Bom Retiro se transforma em palco aberto para a ocupação teatral do Vertigem, refração de microcosmo real. Intervir cenicamente em determinada área urbana, com histórico e especificidades próprias, exige que essas características se explicitem, se façam dramáticas para que possam ser recriadas como espetáculo. As ruas do bairro, que abrigam dois centros de cultura e lazer, pequeno shopping center que comercializa a produção das oficinas de costuras invisíveis e cafés com produtos e clientes de origem coreana, no início da noite desaparecem, tornando-se um cenário em que o vazio ameaça a emergência dos movimentos subterrâneos. É neste Bom Retiro de shopping fechado, ruas completamente despovoadas, mas com ruídos, alguns indistintos (oficinas em plena atividade), outros ao longe (a passagem de trens) que a plateia de poucas dezenas de acólitos desse ritual andarilho percorre os 958 metros dessa teia de artérias silenciosas e equipamentos urbanos desgastados (o percurso termina no abandonado Teatro Taib) para impregnar esse cenário de drama atualizado de sua história. 
Personagens  percorrem a cena como espectros
A peregrinação, que se inicia no shopping e termina em frente ao teatro, junto a uma caçamba de lixo, é construída como dramatização, em que as cenas, conduzidas por “personagens e espectros” determinam a caminhada e induzem a se integrar às referências do entorno. Pululam “faxineira filósofa”, manequins “defeituosa e com coração”, diabinhos da cultura judaica, “el dibuktronik” e “cracômanos”, que se aproveitam dos espaços abertos com literalidade ilustrativa, sem  propriamente extrair do cenário urbano significações que não sejam derivativas de pesquisa de gabinete. O texto de Joca Riners Terron surge para dar conotação aos quadros, funcionando como superestrutura imposta às imagens e, que se imagina posterior a elas. O caráter narrativo derrapa na precariedade da construção das cenas, e em nenhum momento a transcrição do que foi gestado no processo de criação do espetáculo se encorpa para além da engenharia logística de sonorização, iluminação e delimitação e uso das áreas exteriores. São equidistantes da realidade subjetiva do bairro, as tentativas de capturá-la como cena, a não ser com desenho algo borrado pelas palavras, que se fazem legendas explícitas para fotografia desfocada. Bom Retiro 958 Metros reflete algum cansaço na investigação das possibilidades expressivas do grupo Vertigem, como se houvesse urgência na refundação do dramático para redescobrir o espaço.            

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terça-feira, 3 de julho de 2012

Prêmio Shell


 Finalistas do 1° Semestre
Obsessão: duas indicações
Foram selecionados os finalistas do primeiro semestre da temporada teatral de 2012 da 25ª edição do Prêmio Shell.


Autor: Carla Faour (Obsessão)
           Julia Spadaccini (Quebra Ossos)

Direção: Moacir Chaves (Negra Felicidade)
               Henrique Tavares (Obsessão)

Ator: Gustavo Gasparani (As Mimosas das da Praça Tiradentes)
         Tonico Pereira (A Volta ao Lar)

Atriz: Drica Moraes (A Primeira Vista)
          Kelzy Ecard (Breu)

Cenário: Vandré Silveira (Farnese da Saudade)
               Dóris Rollenberg (Querida Helena Serguêviena)
               Adriano e Fernando Guimarães e Ismael Monticelli (Nada)

Figurino: Samuel Abranches (Auto da Compadecida)
               Flávio Souza (Os Mamutes)
               Adriana Ortiz (Adeus à Carne)

Música: Domenico Lancelotti (Modéstia)
              Lucas Marcier e Fabiano Krieger (Adeus à Carne)

Especial: Grupo Alfândega 88 pela ocupação do Teatro Serrador
                Frederico Reder pela reforma e reabertura do Teatro Tereza                 
                Rachel, atual Theatro Net Rio
                Beto Carramanhos (visagismo de Mimosas da Praça Tiradentes e
                Mágico de Oz        

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