Cartazes De Um Mesmo Teatro
Poeira
Crítica/ O Outro
Van Gogh
Interpretação límpida |
O relacionamento dos irmãos Theo e Vincent Van
Gogh demarcado por intrincados novelos emocionais que os ligaram, tem exercido atração
irresistível para transpô-lo aos palcos. Em forma de monólogo, baseado nas
cartas que trocaram ao longo da intensa permuta de afeto, devaneios crueldade e
demência, a correspondência deixa entrever os liames da criação de um artista
fulgurante e o fraterno e difícil papel de fazer com que o seu tempo aceitasse
a forte intensidade de obra e criador atormentados. O texto de Maurício Arruda
Mendonça não foge ao formato e muito menos à fonte, mas avança na observação
dos conflitos dos irmãos através de Theo, capturado num estado mental confuso,
percorrendo a convivência com Vincent, misturando-se a ele, em alternância
entre lucidez e delírio. A sua própria história, tão culposamente ligada a do
irmão, o passado comum, as dificuldades como marchand de Van Gogh,
convergem com introspectiva poética e dramático realismo para narrativa
condensada e escorreita. A direção de Paulo de Moraes se reflete no espaço
cênico despojado, com apenas cadeira e luminária, área vazia a ser preenchida
pela projeção interpretativa do ator em salto solo. Não há firulas desviantes diante da concentração proposta
pelo texto. O rumo adotado por Moraes é o de conduzir-se pela mesma linha que
as palavras emocionalmente inflamadas lançadas por Theo percorrem até encontrar
tradução emotivamente controlada. Tem êxito nesta adequação texto-cena, não só
pelo ator, mas também pelo excelente iluminação de Maneco Quinderé, que desenha
com extrema sensibilidade a área da representação como prolongamento da
intensidade projetada pelo intérprete. E o intérprete, Fernando Eiras, inscreve
o seu temperamento de ator nos desvãos entre loucura e lucidez do personagem,
se fazendo Theo em vivo diálogo com Vincent. Uma atuação límpida.
Crítica/ Eu É Um
Outro
Poesia atropelada pela pesquisa |
O texto de Pedro Brício parece ser obra de
encomenda. Não que o autor de dramaturgia tão variada quanto interessante não
demonstrasse intimidade com o tema, afinal algumas de suas peças têm
consistente viés histórico. Mas neste
caso, a vida do poeta francês Arthur Rimbaud resultou em investida por demais
demarcada por pesquisa, que por mais que Brício tentasse diluí-la, se sobrepõe à
sua escrita. Ao criar para além de narrativa sobre o poeta histórias paralelas,
passadas em épocas diferentes que convergem para a de Rimbaud, presente em cada
uma delas e mediadas por citações, o artifício não resulta. O recurso parece
ter sido usado para evitar a tradicional compilação de fatos biográficos e descentralizar a ação dramática. Os
efeitos se mostram limitadíssimos. De início, provoca situação teatral
saturada, em que todas as informações sobre a vida do poeta são metralhadas
numa sucessão de acontecimentos disparados para encerrar o assunto e partir
para a pretendida dramaturgia. O clima de ensaio e o paralelismo são frágeis, gera
reação inversa (evitar o convencionalismo), evidenciando a pouca
disponibilidade de Brício para embalar melhor a pesquisa. A diretora Isabel
Cavalcanti procura intensificar o material dramático, impondo ritmo acelerado,
recorrendo a transformações rápidas entre as histórias, acelerando o que no
texto se revela ralentado. Mas toda essa movimentação é apenas relativamente
eficiente, já que os descompassos da escrita se evidenciam mais do que se
encobrem. As projeções atenuam o nada inspirado cenário. André Marinho é, entre
todos do elenco, aquele que ao se desdobrar em vários personagens, alcança
melhor rendimento. Ana Abbot investe numa linha mais penetrante, mas que pouco desenvolve. Lorena da Silva está algo gauche, especialmente no discurso final
da tradutora. Alcemar Vieira e João Velho têm intervenções
insatisfatórias.
CCBB
Crítica/ Histórias
de Família
À distância dos jogos de guerra |
O Amok completa com Histórias de Família a sequência de encenações de que fazem parte O Dragão e Kabul, e que o grupo denominou de Trilogia da Guerra. Em relação às anteriores, a atual montagem
adota maior variação de estilo e menor adensamento de dramaturgia. A guerra
atual se refere ao embate das províncias iugoslavas e o esfacelamento de vidas
através dos jogos infantis e do desfocar dos olhares adultos para a violência . Geográfica (a ex-Iugoslávia) e
estilisticamente (a forma se contrapõe ao conteúdo) a montagem e adaptação de
Ana Teixeira e Stephane Brodt para o texto de Biljna Srbljanovic é por demais
situada em conflito determinado, explorado através de distanciamento, quebrando
o tensionamento jogo de guerra- jogo cênico. Ao reproduzir os efeitos da guerra
em núcleos familiares, representados como estilhaços da barbárie circundante,
os atores deste play-ground absurdo
anti-bélico adotam tom desconcertante para tratar de situações violentas.
Palavra e imagem se manifestam em dissociação, como se pretendesse amaciar a relação com a platéia,
tratando tema espinhoso de modo atenuado. As ressonâncias da guerra nas
representações familiares quando confrontadas com as escaramuças em vídeo e em outros
sinais do conflito (estandarte com referência a União Européia, roupas banhadas
em tina de sangue) ficam enfraquecidas. A distância se acentua ainda mais pelo
estranhamento formal que o texto propõe e que a encenação do grupo carioca
confina em invólucro europizante. A
projeção dessa guerra rebate fragilmente sobre o espectador, que assiste a
cenas como se de drama de comportamento se tratasse, até que a guerra se revele
como tragédia coletiva. O artesanato do Amok se mantém com o mesmo acabamento
das montagens anteriores, ainda que a serviço do encerramento de trilogia em
que a guerra esteve melhor enfocada nos espetáculos anteriores.
Crítica/ Raimunda,
Raimunda
Francisco Pereira da Silva, autor
piauiense de Raimunda, Raimunda, reunião
num único espetáculo, dirigido por Regina Duarte, de dois de seus textos (Ramanda e Rudá e Raimunda Pinto), tem sua obra fixada na cultura nordestina e
dramaturgia excessivamente incensada. Faz parte da história do espetáculo
carioca a encenação do Teatro dos Sete, com Fernanda Montenegro e companhia, de
O Cristo Proclamado, escrita por
Pereira e registrado como retumbante fracasso de público no Teatro Copacabana
na década de 60. A aceitação da obra do autor, sempre sofreu esse descompasso
com a bilheteria, sendo destacada as suas variadas qualidades, mas repetidas as
suas dificuldades de ser levada ao palco. Mais uma vez, esse descompasso fica à
descoberto pela inadequacão da montagem em interpretar um texto, aparentemente,
mais passível de ser avaliado como literatura
dramática do que como peça teatral. O que se assiste no Teatro I é pouco
mais do que encenação equivocada em desmedida inexpressividade. O primeiro
texto, com caráter fantasioso, voltado a questões pré-ecológicas e afins, é ingênua em sua conformação de
denúncia-protesto, na qual a diretora embarca no mesmo nível primário das
elocubrações do autor em torno de desastre atômico. O segundo, bem mais
ajustado ao espírito da dramaturgia de Pereira da Silva, não deixa também de
ser ingênuo, ensaio de comédia de costumes que se perde a meio do caminho. A
intervenção da diretora não evoluiu muito frente a peça-esquete anterior.
Confusa, amadora, pobre, sem invenção, desorientada, a montagem segue o
desenvolvimento da trama, acentuando as suas fraturas e ampliando o seu envelhecimento. Com visual improvisado,
figurinos grotescos, iluminação e música inexpressivas, Raimunda, Raimunda não se sustenta nem mesmo pelo elenco,
esforçado, mas irremediavelmente fraco.
Ipanema
Crítica/ Pop Corn
– Qualquer Semelhança Não É Mera Coincidência
Sem citações e originalidade |
Como é do seu jeito maleável de incorporar em
suas peças múltiplas influências e citações, Jô Bilac resolveu em Pop Corn falar, diretamente, de
inspiração e posse de imaginação alheia para alimentar a sua própria. É esta,
pelo menos, a justificativa do autor para utilizar esse mote na comédia de
trama rala que desenvolve com pouca invenção e nenhuma originalidade. Os tipos,
rascunhos de personagens, não passam de clichês de comportamento. Os diálogos,
vazios e nada comunicativos atingem alto grau de vulgaridade. A narrativa,
falsamente desconstruída, acaba por ficar atabalhoada, para o que a direção
conjunta de Jô e Sandro Zangrandi não se furta de dar sua melhor contribuição.
Com cenário convencional de Nello Marrese, figurinos exagerados (os femininos)
de Natália Lana, iluminação de Tiago Mantovani, a montagem tem elenco em que
Xuxa Lopes tenta projetar a atriz usurpadora com algum charme, enquanto Maria Maya recorre a uma certa frescura maldosa como a esposa. Mabel
Cezar é presença apagada. Os atores – Cássio Pandolfi e Vinícius Arneiro -
ficam em plano secundário, como seus inexpressivos personagens.
Crítica/ Dentro
Falta de mira dos tiros coletivos |
Sob o titulo de Dentro, esse espetáculo inclui no texto Michel Blois, argumentista
e diretor, e mais o grupo Pequena Orquestra formado pelos atores da montagem e
ainda Átila Calache, todos assinando a criação (do texto e da encenação?). São
muitos para sustentar algo que, como obra final, não é demonstrativo do
trabalho de tantos. A excessiva contribuição de vários, não chega a se tornar um
ensemble, menos ainda orgânica
criação coletiva capaz de se constituir em narrativa, seja linear, crítica ou
inovadora. Cenas espasmódicas costuradas pela arbitrariedade da dramaturgia, os
criadores se enrolaram durante o processo, acumulando pedaços, flashes, fragmentos, que é o
que, verdadeiramente, chega ao palco. É neste enquadramento que os atores levam
a sua performance,. São tiros sem
alvo, que Fabrício Belsoff, Fernanda Félix, Joana Lerner, Michel Blois, Pedro
Henrique Monteiro, Rodrigo Nogueira e Thiara Maia detonam. A maioria ou
totalidade deles, se perdeu na sala de ensaio por falta de mira.
macksenr@gmail.com