Crítica/ Milton
Nascimento – Nada Será Como Antes
Excelente coral de individualidades celebra repertório |
O modelo é o bem sucedido Beatles Num Céu de Diamantes, que a dupla Claudio Botelho e Charles
Möeller estreou há seis anos, inaugurando estilo de encenar repertório musical.
Naquela sequência de canções do grupo inglês, sem recorrer a uma única palavra,
a não ser das letras, se percorriam as músicas com leve toque de interpretação
(no sentido dramático) em encadeamento cênico marcado, unicamente, pelo roteiro
musical. Em Milton Nascimento – Nada Será
Como Antes em cartaz no Theatro Net Rio a fórmula se repete com a
roteirização da obra do compositor revivida como construção teatral que se
aproxima de Milton em laboriosa costura. Dividida em estações do ano, a
montagem reúne na primavera canções de uma certa evasão poética (Cigarra, Um Girassol da Cor dos seus
Cabelos, O Trem Azul, Nuvem Cigana, Clube da Esquina). No verão, sons
solares se misturam a algumas sombras quentes (Aqui É O País do Futebol, Bola de Meia, Bola de Gude, Maria, Maria,
Caicó Cantiga). No outono, se ouve o declínio das esperanças num país
silenciado (Saudades dos Aviões da
Panair, Encontros e Despedidas, Canção da América, Fé Cega, Faca Amolada). No
inverno, vozes procuram quebrar o silêncio (Oração,
Credo, San Vicente, Sentinela, Menino). Essas categorias climáticas servem,
à perfeição, para abranger os momentos da música de Milton Nascimento e da
poética de seus parceiros – Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Lô Borges, Márcio
Borges. A passagem do tempo, partindo dos anos 70, se fixa no percurso paralelo
em que as criações dialogam com as fraturas de vivência coletiva. Sem a
obviedade da citação, Botelho e Möeller contam, não somente sobre uma obra, mas
como esta obra surgiu e a força de sua permanência. A música e as letras
conduzem a lembranças, para os mais velhos, e à inteireza e a revelação do
repertório, para os mais jovens. Ao cercar de tanto cuidado na abordagem,
ordenamento e seleção deste formato de musical, a dupla o estende aos demais
planos da cena. O cenário de Rogério Falcão, que lembra sobrado de cidade
histórica mineira, com esboço de papel de parede antigo e elementos (lustre, móbile, biombo,
móveis) que mudam a cada estação, estabelece visual sugestivo e agradável. O
pequeno trem de madeira no proscênio, acrescenta mais um toque de mineiridade à
ambientação. Apenas o figurino fica aquém do traço evocativo. É tão somente
ilustrativo e pouco inventivo. Mas o maior destaque de Nada Será como Antes está na força musical, seja na direção de
Claudio Botelho, nos excelentes arranjos e orquestração de Délia Fischer, nos
ótimos arranjos vocais de Jules Vandystad e nos atores-músicos – Cássia Raquel,
Claudo Lins, Délia Fischer, Estrela Blanco, Jonas Hammar, Jules Vandystadt, Lui
Coimbra, Marya Bravo, Pedro Aune, Pedro Sol, Sérgio Dalcin, Tatih Köhler,
Whatson Cardozo e Wladimir Pinheiro. A alta qualidade e sofisticação técnica
que envolvem essa equipe com domínio instrumental e vocal de alto nível projeta
com sensibilidade e competência as nuances de repertório bastante conhecido.
Canções com marcante interpretação e arranjos originais e com os quais Milton
consolidou sua carreira, ganham ar renovado, mas sem retirar-lhes o sopro
poético e a riqueza melódica. São recriadas e revigoradas, e em várias delas,
até valorizadas. O elenco, de impecáveis vozes e viva presença, deve ser destacado
como um todo. Não há como ressaltar nomes, quando o conjunto se integra tão
harmoniosamente como um coral de precisas individualidades sonoras.
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