Crítica/ A Partilha
Comédia de sabor agridoce e aroma amoroso |
Há 22 anos estreava no
Teatro Cândido Mendes uma modesta produção com quarto atrizes, a maioria delas
conhecida pela televisão, que lançava o primeiro texto de maior fôlego de Miguel Falabella.
A repercussão crítica e popular desta habildosa comédia dramática de Falabella,
que foi vista por milhares de espectadores, excursionou pelo país durante anos
e foi levada ao cinema, agora ganha nova temporada no Teatro Oi Casa Grande.
Nesta revisão, confirmam-se suas qualidades, reitera-se a sensibilidade do
autor para o universo feminino e para comédia de costumes da classe média. Ao
escrever sobre o texto na época, dizia que A
Partilha é uma peça simples na qual quatro irmãs se encontram no velório da
mãe. retomando pela circunstância da morte (o fim de um tempo) o passado comum.
A divisão dos bens, deixados pela morta, acentua as diferenças entre elas e o
início de possíveis transformações, lançando-as num jogo em que a crueldade
serve de estímulo para que, da divisão, cheguem à unidade, simbolizada pelo
conjuntinho de café da Toddy, objeto da união afetiva. Não é fácil trabalhar planos tão sutis quanto os da emotividade
e do riso. Um velório pode ser cenário para o humor, tanto quanto a lágrima que
devolve vivências. Os objetos, desmembrados para se transformarem em dinheiro,
não têm apenas o valor passível de ser contabilizado monetariamente. São sinais
evidentes de expressões afetivas. Miguel Falabella administra essas realidades
dramáticas com exemplar delicadeza ao contar história para encontrar as
motivações das personagens. Falabella sente a alma feminina. Além dessa enorme sensibilidade do
autor para captar as recorrências das emoções, A partilha demonstra ser
uma peça com excelente bom humor. O riso acompanha a história suavemente ácida
dessas mulheres. O seu melhor sabor é o agridoce. O seu melhor aroma é o
amoroso. A montagem de Miguel Falabella que se encaixava tão bem no Cândido
Mendes (o tamanho do teatro envolvia o intimismo do texto) poderia ter se
esgarçado no amplo palco do Casa Grande e, deste modo, perdido a sua real
medida. Mesmo que tenha sido necessário o uso de microfones pelas atrizes e que
o cenário tenha se expandido para a adequação à embocadura do palco, a
segurança do diretor, agora acrescida da maturidade, fica confirmada. Miguel
Falabella passeia pelo seu texto,
impondo poucas ou quase nenhuma novidade à sua direção original, preservando
aquilo que a peça tinha de mais atraente, aparando aquilo que tinha de menos
resolvido. Cenário e iluminação funcionam, apenas o figurino, em especial o da
personagem de Susana Vieira se
mostra exageradamente infeliz. O quarteto de atrizes – Arlete Salles, Susana
Vieira, Patrycia Travassos e Thereza Piffer -, praticamente o mesmo de há duas décadas,
não tem dificuldade de reproduzir os bons desempenhos do passado,
compensando o inevitável passar do tempo com certa malícia de o incorporar com pequenos
detalhes críticos. A Partilha, neste
nostálgico revival, demonstra-se certeira lembrança para o público.
macksenr@gmail.com