São Paulo
Crítica/ O Poder
da Loucura Teatral
Movimentos em série em direção à permanência de linguagens |
A edição deste ano da Mostra Sesc na área teatral
reuniu programação instigante, com a participação de grupos internacionais que
se movimentam pelos cânones das artes cênicas se apropriando de outros meios expressivos
que os complementam e os fazem avançar nas possibilidades de explorar linguagens. O Poder da Loucura Teatral, que encerrou a mostra de duas semanas
no Sesc Pinheiros, é o exemplar-síntese de curadoria muito bem sintonizada com
os múltiplos caminhos tentados pelo teatro na sua busca de ampliar os meios de
permanência a qualquer e a todo tempo. Nesta elegia teatral do belga Jan Fabre
há espaço para que esses meios se experimentem como cena. Existe a palavra, mas
é assessória e ritmada para marcar o movimento. Existe a dança, mas é
gestualidade e ação para capturar a narrativa. Existe a performance, mas é
dramaturgia para construir cenografia física. Existe o música, mas não é trilha,
sonorização para cenas seriadas. O exercício deste poder louco de juntar
elementos para criar um fluxo que, ainda que os contenham, não privilegiam
nenhum deles, percorre rotas para
investigar rumos, não chegadas. Por mais que procure atalhos ou redefina
códigos, essa peça-perfomance-dança-musical-show-espetáculo vai atrás da
permanência do teatro e da dança através dos meios que lhe são formadores, ao
mesmo tempo que os desmentem com a reversão de seu uso. Fabre cria compartimentos
formais que ainda que retirados das suas origens teatrais, musicais e de dança eliminam a palavra, utilizada
apenas como citação, a sonoridade melodiosa, emitida somente como ruído, o
movimento, projetado quase como exercício de repetição. Nas 4h20 de espetáculo,
sem intervalo, esse jogo de técnicas e diluições de referências é moldado por ação ritmada, em que tudo
se repete à exaustão. A relação de nomes citados (diretores teatrais,
coreógrafos e grupos de criação artística), a recorrência de gestos e de
passos, e a marcação coreográfica de metódica dramática, compõem quadro que,
pela inversão de funções, quebra a
fixidez do compartimento. A montagem se agita todo o tempo de sua duração, com
as cenas se armando e desarmando aos olhos da platéia como se procurassem
reproduzir o processo de criação dos quadros clássicos que inspiram e ilustram
a força da loucura da arte e que são projetados ao fundo. Os
atores-performers-bailarinos são extraordinariamente bem equipados para
desempenhar as múltiplas intervenções neste aplicado recondicionamento de
convenções e expandido limite das potencialidades de atuação. O elenco é capaz,
quase ininterruptamente e em posição frontal para a platéia, de correr, como se
estivesse numa esteira de exercício, falando uma série de nomes com poderosa
emissão vocal e surpreendente preparado físico. E não é apenas uma demonstração
de virtuosismo e de bom preparo na sala de ensaio, mas a expressão de técnica e
de integração à proposta do encenador. A estética de Jan Fabre descarna a
dramaticidade em favor da seu questionamento como linguagem mutante. Expurgada
de emoções, emerge da cena a exposição dela própria como matéria artística,
deixando à mostra uma certa eugenia de criação (sem qualquer conotação
ideológica ou histórica) que padroniza, pela seriação, os desviantes e incertos
caminhos da contemporaneidade.
Crítica/ Dorotéia
A farsa irresponsável de Nelson Rodrigues |
Depois de temporada no Poeira, em Botafogo, essa
“farsa irresponsável” como a definiu seu autor Nelson Rodrigues, chega a São
Paulo, e pode ser vista no Teatro Raul Cortez. A encenação de João Fonseca
evita, o quanto é possível pelas difíceis características do texto, a
caricatura rasgada, talvez um dos únicos meios de torná-lo menos bizarro. As
obsessões rodriguianas parecem um tanto exageradas, reduzidas a simbologia primária
e a narrativa melodramática. O diretor se desvia, na medida limitada que a
farsa oferece, desses aspectos grotescos e carregados, deixando à vista apenas
a trama no seu desenvolvimento linear. Para tanto, se cercou de cenário de
Nello Marrese, que explora a cor preta em contraste com pingentes brilhantes,
do qual a iluminação de Luiz Paulo Nenen tira o melhor partido. João Fonseca ao
optar por compor o trio de tias com atores, de certa maneira demonstra o desejo
de intervir de modo mais autoral em personagens tão pateticamente conotados.
Tanto Paulo Verling, quanto Alexandre Pinheiro, e em especial Gilberto
Gawronski, acentuam esse patético em hiper-interpretação carregada de gestos e
máscaras hirtas. Keli Freitas e Marcus Majella acompanham com a mesma
intensidade de atuação o trio. Alinne de Moraes é um bonita presença em
cena.
macksenr@gmail.com