quarta-feira, 29 de agosto de 2012

30ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Navalha na Carne
                                    
                                              Fotografia de personagens em fim de linha

O texto de Plínio Marcos, escrito na década de 60, com seu naturalismo exacerbado e personagens à margem, que tanto escandalizou quando de sua estréia, cinquenta anos depois, esvaziado do impacto inicial, permanece sólido como estrutura narrativa e forte na ação dramática. O trio de desgarrados, confinado na sua miséria social e solidão afetiva, ainda se sustenta como retrato de disputa sem vencedores e perspectivas. Nenhum dos personagens escapa da violência sob a qual sobrevivem, e por mais que uns tiranizem os outros, todos estão submetidos à mesma e inescapável condenação a degradados papéis sociais. Os diálogos que expõem cruamente essa rotação de sentimentos destroçados são de um verismo verbal que não se esconde em nuances. Todo o quadro criado por Plínio Marcos ainda se sustenta dramaticamente e se mantém íntegro a cada nova montagem. É o que acontece agora na direção de Rubens Camelo, que estreou no ano passado num hotel de prostituição na Praça Tiradentes, usado com cenário natural para acondicionar o entrecho. A ambientação num quarto do hotel pode ter conferido maior realismo do que no exíguo espaço do Porão da Casa Laura Alvim, mas a proximidade da platéia no novo espaço  não alterou a veemência do entrecho. O entrechoque entre a prostituta, o cafetão e o homossexual num sórdido quartinho, em que cada um com violência, ora física, sempre verbal, atinge os espectadores como co-integrantes de fotografia superexposta de realidade humana. O que prova a durabilidade do texto e a manutenção de sua imperiosa contundência. A montagem de Camelo se atém ao naturalismo e não quer inventar. Lança, prudentemente, toda a responsabilidade da cena para o elenco, que reproduz o embate emocional dos personagens com vigor físico. Tanto Zé Wendel, como o homossexual, quanto Rogério Barros e Marta Paret não dramatizam o que deve ser somente mostrado. Nenhum deles exagera na composição, encaminhando as interpretações para o aspecto mais fotográfico, fixando-se no retrato cruel de três indivíduos em fim de linha.


Crítica/ Artaud – A Realidade É Doida Varrida
Ritual sem a densidade do grito
Antonin Artaud em seu poético, delirante e anti-realista teatro da crueldade foi um criador inflamado, confundindo tormento e lucidez, existência e literatura, desconstrução e reflexão em arrebatada unidade biográfica. O confinamento em manicômios não elimina a razão do artista que persegue a “metafísica em ação”, o absoluto do “pensamento em estado puro” em busca da “linguagem em forma de encantação”. Com direção, interpretação, cenário, figurino e seleção musical de Marcos Fayad, Artaud – A Realidade É Doida Varrida se baseia na apresentada no Teatro Ipanema na década de 90, pelo menos na utilização do texto. Dividido em módulos (teatro, loucura, depoimentos, criação), que tecem o rosto de vários Artauds, apoiando-se no estado alucinatório, que o teórico pretendia fosse “o principal meio dramático”, o texto de Rubens Corrêa e Ivan Albuquerque se alimenta de diversos de seus escritos  sobre o que viveu nas suas internações e construção de pensamento teatral. Como interno ou como homem de teatro, concebe a existência como manifestação ritualista que o aproxima da essencialidade dos movimentos da natureza e do sagrado do mecanismos da cena. E é dessa coleta de fragmentos emocionais e da sintonia com transformações da arte de que é feita a celebração de um temperamento em ebulição. A versão atualmente no Galpão das Artes do Espaço Tom Jobim segue a original, pelo menos como o mesmo desejo de recriar um pensamento nos seus próprios termos. Para tanto, Fayad abriu a cenografia (no Ipanema, a encenação era sob o palco e bastante soturna), utilizou projeção de tela de Van Gogh (a análise de Artaud sobre a obra é envolvente), desenhando interpretação com muitos gestos. Em pouco mais de uma hora, o ator não se apropria, verdadeiramente, dos seus meios expressivos. Os gestos são coreográficos, mas sem fundamentos dramáticos, numa linearidade interpretativa desprovida de modulações e de intensidade que os monólogos interiors de Artaud carregam. Marcos Fayard exterioriza as palavras, projetando-as sem a ritualidade que lhes é implícita e enfraquecidas da densidade de seu grito.

                                                   macksenr@gmail.com