Musicais em Duas Medidas
Crítica/ Quase
Normal
Vanessa Gerbelli procura dialogar com o coloquial |
O entrecho do musical dramático
de Tom Kitt e Brian Yorkey se enquadra em ambos os gêneros, já que o
entrecho, um melodrama psicológico musicado, tal como uma ópera com libreto costurado
na dramaturgia, encontra na palavra cantada a forma narrativa. A trama está centrada
em família que se desorganiza, um tanto mais, com perda progressiva do
equilíbrio mental da mãe, consequência do casamento na juventude e da morte de
um filho. A construção textual se baseia em peça de definidas características
técnicas (diálogos, desenho de personagens, convenção realista). Esse arcabouço
é servido por trilha que conduz a ação sem perder o domínio expressivo, apoiando-se
na sonoridade das canções como razão e justificativa dramatúrgica. Há entrosamento
entre texto e música, narrativa e formato, canto e palavra, em coerência de
gênero (musical) e estilo (melodrama). A música de Tom Kitt, na mistura de sons
pop e de canções que relembram padrões
das composições de musicais, serve à evolução da história e, mesmo sem alcançar
maiores ressonâncias, atende às especificidades da trama. As letras, no
entanto, e a julgar apenas pela versão brasileira, ainda que funcionem como diálogos e se encaixem no enredo, ficam empobrecidas na tentativa de
interpretar a ação dramática. O tom coloquial dos diálogos sofre com o
descompasso de tentar revesti-los de força emocional e imagens banais. A
direção e versão refletem o que, provavelmente, Tadeu Aguiar pretendeu ao
encenar esse musical: provocar emoção e contar uma história que utiliza com
habilidade códigos melodramáticos. A montagem expõe essas intenções com
cuidados de produção, que se manifestam no cenário bem construído e funcional
de Edward Monteiro (as projeções ao fundo ampliam sua dramaticidade), no
figurino adequado da Espetacular! Produções & Artes e na iluminação bem
desenhada de Rogério Wiltgen. A coreografia, menos satisfatória, pode ser
atribuída ao esforço de adaptar passos convencionais a exemplar menos comum de
musical. (Como referência, a cena da música Bem
Legal). A direção musical de Liliane Secco e os seis músicos demonstram qualidade
de execução. Dos personagens que gravitam em torno do núcleo familiar, Gabe, de
Olavo Cavalheiro, é o mais difícil por seu caráter etéreo, que o ator sustenta
com melhor presença no início, e com maior dificuldade na cena final. Henry, o
namoradinho da filha, de Victor Maia, procura se encontrar na trama, na qual é contraponto.
O intérprete o conserva em segundo plano. Os médicos, que André Dias encarna,
recebem do ator a carga mediana exigidas às suas intervenções. Entre os membros
da família, Carol Futuro reproduz a adolescente, algo estereotipada, que o
autor imaginou, enquanto Cristiano Gualda se mantém num plano mais musical na maior parte do espetáculo,
para dramatizar, um pouco além da
prudência interpretativa, nas últimas cenas do marido. Vanessa Gerbelli, a mãe,
canta e atua em diapasão levemente áspero, distante das variantes das reações da
personagem.
Crítica/ Herivelto
Como Conheci
Marilia Pêra canta composições que exaltam a paixão |
A declaração de amor, carregada de poesia gongórica
que abre o musical pocket que está em cartaz no confortável Teatro Net
Rio, sintetiza o relacionamento do compositor Herivelto Martins e Lurdes
Torelly por mais de quatro décadas, e captura o espírito e estilo das letras de
suas composições. É da inspiração desse texto do início que os autores Yaçanã
Martins e Cacau Hygino partem para encadear a série de músicas de Herivelto que
embalam a sua vida amorosa ao lado da ex-aeromoça com que viveu até a morte. Veículo
para a atriz Marília Pêra voltar ao universo afetivo-musical dos anos 40 e 50
(interpretou na década de 80 o musical Estrela
Dalva, biografia da primeira mulher de Herivelto), e da boemia carioca das
dores de cotovelo e das paixões radiofônicas. Assim como na relação com Dalva
de Oliveira, acompanhada pelo público pelas canções em que Herivelto rasgava o
coração dos sentimentos arrebatados, também com Lourdes Torelli, percorre da
conquista ao duradouro casamento, orquestrando trilha especialmente composta
para a musa inspiradora. O musical (ou seria apenas um recital, ou somente um
show cantado por uma atriz?) rememora os acontecimentos que se ligaram ao culto
da amada, historiando e introduzindo cada uma das canções. É tudo muito
simples. Com despojamento visual (alguns móveis distribuídos pelo palco,
discretamente iluminado por Paulo Medeiros), dois músicos (os competentes
Thiago Trajano e Marcio Castro) e direção sem invenções de Claudio Botelho, se constrói
a cena para que Marília Pêra, tão somente, cante Herivelto. Se é a história de
amor que informa a criação das músicas, é a atriz que interpreta os sentimentos que letras derramadas proclamam. Em pouco mais de 60 minutos,
Marília se divide entre canções mais leves,
como Amélia na Praça Onze, Cabaré no Morro, Nega Manhosa, que é quando aparece o temperamento da atriz e da entertainer. Nas canções de amor
carregadas de dramaticidade, como Camisola
do Dia, Recusa, Segredo, Atiraste Uma Pedra ou Culpe-me,
Marília desfila repertório que exalta a paixão. E um interregno é pretexto para
conversa rápida e simpática com o público, que recebe o espetáculo com a mesma
simplicidade agradável como foi concebido.
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