Crítica/“Mamãe”
“Mamãe” é um monólogo tão pessoal quanto é real a
experiência do ator Álamo Facó frente aos 100 dias que antecederam a morte da
mãe, vitimada por tumor cerebral. E não será apenas o depoimento sobre um
estado agônico, mas a transposição de sentimentos vivos a partir de sensações
pressentidas. O filho assiste, como espectador ativo, às escaramuças da mãe por
manter o sopro de vida que a doença vai apagando, interiorizando em si, aquela
que o deixa. No ato de apropriação, as dores mútuas fazem circular os sofrimentos, expostos pela
agravamento da doença e pelo diálogo que constrói unidade afetiva impalpável. Unos
nesta conversa, é possível readquirir consciência e reimprimir vontade à margem
de diagnósticos definitivos e de tratamentos agressivos. A progressiva simbiose,
que se delineia nos sintomas da doença e que se renova na continuidade familiar,
é o eixo dramático em torno do qual o autor e ator transfigura vivência em criação.
O episódio da doença materna tem o papel de entrada numa área de contornos
emocionalmente imprecisos, na qual Álamo Facó atua como personagem verdadeiro. Ao
vestir a máscara dupla em uma mesma pessoa, fica livre para explorar a zona difusa
de um cérebro que se deteriora e de outro que procura estancar seu
esfacelamento. O espaço volátil desta comunicação que liga passado, afetos e
cuidados médicos hospitalares, ganha a consistência relevante, às vezes
indignada, sempre sincera. A narrativa se mantém no plano das citações ao factual
e da investigação de vozes imaginárias, sem ceder à emoção superficial, que um
texto conduzido pela intenção de provoca-la, a manipularia de maneira postiça. A
emoção é genuína e originária da sensibilidade da dramaturgia, que se confunde
com a performance pelo caráter expansivo dos seus meios cênicos. A direção
conjunta de Álamo Facó e Cesar Augusto mostra tendência a conciliar o
performático e o teatral, em dosagem que favorece os recursos mais tradicionais.
A movimentação constante do ator, na tentativa de ativar as cenas, demonstra-se
desnecessária diante da potência do texto. Como intérprete, Álamo Facó se
mantém nas bordas de uma linha invisível que demarca a força cortante do autor,
o distanciamento cauteloso do filho e atuação medida do personagem.