domingo, 17 de janeiro de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (17/1/2016)

Crítica/ “Hamlet – Processo de revelação”
Como ser um ator para não ser Hamlet
Há tantos e tão diversos modos de encenar, que a exploração de múltiplas linhas de trabalho podem trazer ideias pouco convencionais ou bastante inovadoras. “Hamlet – Processo de Revelação” é uma forma exploratória de integrar a tragédia de Shakespeare ao fluxo das relações com tempo e com o teatro. Não se pretende encenar, mas investigar conexões possíveis para que a trama seja comentada, numa proposta de conversa com a plateia e de inserção em fatos da atualidade e nas questões existenciais do ator. Com direção de Adriano Guimarães e Fernando Guimarães e solo de Emanuel Aragão, que também assina a dramaturgia, esse processo explora a sensibilidade de Hamlet diante de suas dúvidas até cumprir o destino a que está condenado. Em paralelo, o ator desvenda suas próprias dúvidas e convida os espectadores a intervir nesta visão autoral da obra. Estabelecidos os códigos da cena, Emanuel Aragão informa que, a depender das reações, essa leitura poderá durar de 1h30 a três horas, o que inibe ou não a plateia a sintonizar-se com a revelação anunciada no título. A partir de situar o contexto, desencadeia questões minuciosas como a tradução de “ser ou não ser”, pretexto para confrontar a versão consagrada e veículo para cortejar o público com a familiarizada citação. Ou suprimir, em sobrevoo rasante e linguagem coloquial, as subtramas e as passagens de tempo, para destacar, em imagem inusitada, o fatiamento de sua análise. A encenação do texto, como algo orgânico e íntegro, não existe, o seu desmembramento especulativo é o que o constitui como recurso expressivo de projeção autônoma. Os irmãos diretores revelam com fios bem encapados cada movimento de negação em que se debate Hamlet até admitir a verdade. E amarram os passos da performance na detalhada interpretação do ator. O rigor que marca a orquestração desse solilóquio revelador, é o mesmo que restringe a maior participação da plateia. Emanuel Aragão demonstra quase total domínio do material dramatúrgico-analítico-performático que criou como autor e ator. A intermediação que faz entre a fala que busca descobrir o personagem e a que se refere ao Hamlet diz, funciona em trânsito suave de exposição e atuação, mantida numa mesma plataforma cênica. Emanuel sustenta com segurança as interferências da plateia, por mais ou menos pertinentes que possam ser, mas a estrutura do monólogo não se ajusta plenamente às restrições de duração e à rigidez do roteiro, que estabelece o melhor debate com suas próprias hipóteses.