domingo, 24 de janeiro de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (24/1/2016)

Crítica/ “Auê”
Convergência de linguagens em ótimo musical

Pode-se dizer que é um show pelas 21 músicas originais que compõem a setlist. E também um musical pela sequência de canções de sonoridade nordestina que universaliza o amor. Não deixa de ser teatro pela dramaturgia das letras e performance de cantores, atores e bailarinos. “Auê”, como a palavra está dicionarizada, significa agitação, confusão, o que se aplica ao espetáculo do grupo Barca dos corações partidos, com direção de Duda Maia. Agitada mostra de músicas inéditas de qualidade em montagem que confunde variadas linguagens cênicas, a apresentação desse coletivo convida a farra cênica de talentos, até então, apenas entrevistos. Os músicos, reunidos em “Gonzagão – A lenda” e “Ópera do Malandro”, dirigidos por João Falcão, foram compondo ao longo das temporadas desses musicais o repertório que agora se revela surpreendentemente criativo. Do show-teatral-performático-musical ressalta a consistência do grupo de compositores, a competência de instrumentistas, a habilidade de cantores e a versatilidade de atores-bailarinos. Os sete integrantes desta barca que navega por múltiplas linguagens soltam as amarras, que poderia prendê-los a definições, para desbravar, a partir de melodias e letras, vasto panorama multicultural. A música é o ponto de partida, o porto de atracação e o mar a percorrer. As letras, a forma de remar pela lírica popular e amorosa. A encenação, o culto festivo, celebrado como um auê. Duda Maia orquestrou a explosão cênica de músicos-performers que se reinventam em movimentos corporais, desafios vocais e atuações improváveis. A diretora, com a viva e intensa colaboração do elenco, teatraliza a música sem sublinhar ou ilustrar, tratando-a com o  elemento gerador, mas não único e de maior peso. A ação coreográfica e a dinâmica dos quadros permitem que o palco se mantenha pulsante pela sua própria energia construtiva. A montagem conquista pela envolvência com que enreda as canções e a sutileza como interpreta, em som e imagem, os traços de cada uma delas. A integração de diretora e elenco está visível na fluidez que estabelece, em 80 minutos, conivência e adesão da plateia, rendida a uma celebração delicada e alegre. A excelente participação dos pluriartistas – Adrén Alvez, Alfredo Del-Pinho, Beto Lemos, Fábio Enriquez, Eduardo Rios, Renato Luciano, Ricca de Barros e do convidado Rick de la Torre – é o maior destaque de musical que  se realiza na agitação da mistura.