Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (24/1/2016)
Crítica/ “Auê”
Pode-se dizer que é um show pelas 21 músicas
originais que compõem a setlist. E
também um musical pela sequência de canções de sonoridade nordestina que
universaliza o amor. Não deixa de ser teatro pela dramaturgia das letras e
performance de cantores, atores e bailarinos. “Auê”, como a palavra está
dicionarizada, significa agitação, confusão, o que se aplica ao espetáculo do
grupo Barca dos corações partidos, com direção de Duda Maia. Agitada mostra de
músicas inéditas de qualidade em montagem que confunde variadas linguagens
cênicas, a apresentação desse coletivo convida a farra cênica de talentos, até
então, apenas entrevistos. Os músicos, reunidos em “Gonzagão – A lenda” e
“Ópera do Malandro”, dirigidos por João Falcão, foram compondo ao longo das
temporadas desses musicais o repertório que agora se revela surpreendentemente criativo.
Do show-teatral-performático-musical ressalta a consistência do grupo de
compositores, a competência de instrumentistas, a habilidade de cantores e a
versatilidade de atores-bailarinos. Os sete integrantes desta barca que navega
por múltiplas linguagens soltam as amarras, que poderia prendê-los a definições,
para desbravar, a partir de melodias e letras, vasto panorama multicultural. A
música é o ponto de partida, o porto de atracação e o mar a percorrer. As
letras, a forma de remar pela lírica popular e amorosa. A encenação, o culto
festivo, celebrado como um auê. Duda
Maia orquestrou a explosão cênica de músicos-performers que se reinventam em
movimentos corporais, desafios vocais e atuações improváveis. A diretora, com a
viva e intensa colaboração do elenco, teatraliza a música sem sublinhar ou
ilustrar, tratando-a com o elemento
gerador, mas não único e de maior peso. A ação coreográfica e a dinâmica dos
quadros permitem que o palco se mantenha pulsante pela sua própria energia
construtiva. A montagem conquista pela envolvência com que enreda as canções e
a sutileza como interpreta, em som e imagem, os traços de cada uma delas. A
integração de diretora e elenco está visível na fluidez que estabelece, em 80
minutos, conivência e adesão da plateia, rendida a uma celebração delicada e
alegre. A excelente participação dos pluriartistas – Adrén Alvez, Alfredo
Del-Pinho, Beto Lemos, Fábio Enriquez, Eduardo Rios, Renato Luciano, Ricca de
Barros e do convidado Rick de la Torre – é o maior destaque de musical que se realiza na agitação da mistura.