Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (4/10/2015)
Crítica/ “The
pillowman”
O texto do irlandês Martin McDonagh aponta para
várias direções, todas elas dirigidas para costura dramatúrgica que conflui
para uma escrita bem traçada. Aparentemente, trata-se de trama criminal, que
logo se desfaz em drama psicológico, mas que se concretiza na identidade da
criação com a vida. Um escritor de histórias perversas, através das quais se
delineia a sua própria história e de seu irmão deficiente mental, é submetido a
interrogatório policial para confessar mortes semelhantes àquelas que escreve.
Em sessões torturantes, desvenda-se um enredo de crueldade e dominação, de
brutalidade e morbidez, em múltiplas pistas desviantes que conduzem ao espaço da
ficção que o autor-assassino-vítima-cúmplice quer preservar para além da morte.
O depoimento à polícia conduz até a verdade, enquanto os contos revelam
vivências reais e autonomia expressiva, capazes de justificar a existência e
atenuar culpas. “The pillowman” é feito de narrativas, conflitantes e dispersas,
que se encontram na invenção ficcional de quem busca a permanência da memória.
Os diretores Bruno Guida e Dagoberto Feliz apostam em acentuar o clima sinistro
e a atmosfera tragicômica, deixando de explorar os mecanismos dramáticos da
requintada construção fabular. A dupla optou por caracterizações grotescas dos
personagens e por composições bizarras do elenco, que não deixa de ser uma
opção para facilitar a atenção da
plateia para a subjetividade da ação e quebrar
o ritmo distentido dos diálogos. As cenas são longas e intensas, exigindo
que se mantenha o interesse, seja pelo desenvolvimento do entrecho ou pelos
intrigantes despistes que o autor lança sem trégua. São três horas de duração,
com intervalo, em que as cenas são alimentadas por incessante confronto de
gestos contundentes e palavras ásperas, num enfrentamento de emoções passionais.
Mesmo com a longa duração e com o relativo distanciamento do eixo narrativo, a
encenação é corajosa ao manter o original na íntegra, sem cortes, apoiada pela
segura tradução de Bruno Guida. A cenografia apropriadamente sombria de
Ulisses Cohn, ambientada com sensibilidade por Aline Santini, colabora na tonalidade
opressiva que marca as desordens
emocionais. Flávio Tolezani tem presença segura e forte como o misterioso escritor.
Bruno Guida, em que pese a sanguínea interpretação do policial, se apoia demais
na composição física. Daniel Infantini, como o outro policial, e Bruno Autran
como o irmão, driblam as dificuldades de projetar seus personagens. Wandré
Gouveia está um tanto deslocado e tímido na difícil função de desempenhar papel
perfeitamente dispensável.