quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (14/10/2015)

Crítica/ “Electra”
A maternidade confrontada pelo trágico

Há nas tragédias, como em ‘Electra”, de Sófocles, um determinismo de morte, que é impulsionado por razões de vida. A filha de Agamemnon induz o irmão Orestes a assassinar a mãe Clitemnestra, responsável com o amante Egisto pela eliminação do pai. Ao assumir o poder, Egisto em conluio com Clitemnestra, pretende matar Orestes, que foge com a ajuda da irmã, feita escrava pela própria mãe. A construção da vingança e a reconquista do poder se fazem das dúvidas de que ainda é possível encontrar vida para a execução do gesto e serenidade para depois do triunfo. São tantas e tão generosas as possibilidades que as tragédias gregas oferecem como interpretação da existência, que a cada versão se desvenda algum atalho que revela outros mais. Na direção de João Fonseca, o caminho para novos rumos é curto e modesto, mas surge no respeito como trata da ancestralidade da narrativa. A montagem oscila entre a solenidade que pretende revestir o trágico e a natureza dramática como o ameniza. O caráter hierático da movimentação dos atores, contrasta com as variações mais naturais como dominam os diálogos. A uniformidade desses planos se realiza pela trama que, na superfície de camadas mais densas, emerge como ação. Ainda que o diretor adote tratamento cuidadoso, traduz, com muita prudência  a opressão das incertezas e o poder enfraquecido da liberdade conquistada pelo matricídio. O cenário de Mello Marrese concentra no centro da arena, conjunto de praticáveis que ambienta, funcionalmente, a movimentação do elenco. O figurino da dupla Marilia Carneiro e Reinaldo Elias demonstra algum diversionismo de estilo. A iluminação de Luiz Paulo Nenen adota cores  de efeito nas cenas finais. A trilha sonora original de João Bittencourt estabelece sutis contrapontos. Alexandre Molfati tem participação quase episódica como Egisto. Ricardo Tozzi não projeta a indecisão moral de Orestes. Paula Sandroni acentua as hesitações de Crisôtemis, irmã de Electra, com atuação esmaecida. Francisco Cuoco sustenta sua interpretação pela voz vigorosa. Mario Borges vive o seu melhor momento em cena ao emprestar autoridade à fala que encerra a tragédia. Rafaela Amado mostra dedicação a uma Electra mais nervosa do que movida pela redenção da memória paterna. Camilla Amado procura a tragicidade do poder através do drama da maternidade.