Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (6/9/2015)
Crítica// “Queime
isso”
“Queime isso”, do americano Lanford Wilson é uma
combinação de técnicas de playwriting do teatro realista com os truques de roteiros
das série de televisão. Um acontecimento contundente (acidente que mata um
coreógrafo e seu namorado) tem desdobramentos entre amigos e parente, que se
encontram no apartamento do morto e iniciam uma exposição de sentimentos
provocados pela perda. A melhor amiga, com quem o bailarino dividia o aluguel
junto com o publicitário irônico, é consolada pelo roteirista inseguro e
confrontada pelo irmão homofóbico daquele que ao desaparecer não deixa pistas
dos motivos. Teria sido acidente ou suicídio? As razões para a dúvida se
dissipam e se tornam secundárias diante do envolvimento de cada um com suas
próprias dificuldades de conviver com o preconceito, a rejeição e os medos. O
autor conduz a narrativa pelas incertezas, procurando seguir rumos que, nem
sempre, conduzem ao que se imagina ser o ponto de chegada. Os diálogos, fartos
em manifestações psicológicas, introduzem o caráter dos personagens,
demonstrando afeto em meio a violência de uns e a fragilidade e o cinismo de
outros. Nada muito provocativo ao ponto de extravasar os limites de relações
disfuncionais, e um pouco superficial para permitir um certo cinismo, tudo
balanceado por dosagens de dramaticidade e humor controlados. Um exemplar de
dramaturgia desenhada com régua e compasso, que resiste pela forma como
sustenta uma história, sem interpor qualquer enfeite à sua recepção. É desta
maneira que o texto chega à plateia como um novelão com muito ganchos que
mantêm o interesse de acompanhar o desenrolar das situações. Em montagem que se
apoia no ajuste do elenco ao que deve parecer verdadeiro como representação da
realidade, o diretor Victor Garcia Peralta tenta alcançar unidade
interpretativa com atores de sensibilidades diversas para desempenhos
naturalistas. A tradução, sonoramente endurecida de Ricardo Ventura, compõe com
a ambientação de Miguel Pinto Guimarães, que utiliza a caixa cênica como
contraponto aos escassos elementos cenográficos, a retaguarda para que o
diretor mantenha durante 100 minutos a evoluções dos capítulos. Karine Carvalho
carrega no dramatismo na longa cena inicial, ganhando maior segurança no
decorrer da trama. Alcemar Vieira mostra desenvoltura para circular entre a
vida solitária do publicitário sarcástico e o papel de quebrar a tensão. Tatsu
Carvalho tem alguma dificuldade em graduar a truculência do irmão do morto e o
arrefecimento da sua agressividade. Celso André, como o namorado frustrado, segue
a inexpressividade do personagem, em atuação linear e recitativa.