Crítica/ “Andança
– Beth Carvalho, o musical”
Três tempos de um repertório biografado |
Ao escrever um musical sobre Beth Carvalho, o
autor Rômulo Rodrigues reverenciou a carreira e, secundariamente, a vida da
garota nascida na Zona Sul e que se tornaria referência do samba do subúrbio. O
caráter biográfico se confunde com a homenagem, formato encontrado para reviver
a trajetória da cantora que, em plena atividade profissional, foi a maior fonte
da pesquisa. O roteiro não se desvia da cronologia factual, iniciada nas aulas
de balé da infância e concluída na alegria da superação. Sem maior detalhamento
e comentários, são repassados acontecimentos familiares, casamentos, política,
numa sucessão expositiva que é insuficiente para relacionar o ambiente musical da
época e valorizar a discografia. As informações seguem a rigidez da linha do
tempo, em que as variantes estariam na apresentação do repertório, ponto
central na padronização de quadros em alternância de ação e canto. Invariável
em quase três horas de duração, a narrativa está ajustada à seleção musical com
a previsibilidade do registro disciplinado de cinco décadas de participações em
festivais, lançamentos de compositores e produção de discos. A tentativa de
quebra desta uniformização, já bastante explorada em musicais do mesmo gênero,
fica restrita à caricaturada fã, que ao telefone com uma amiga obtusa,
acompanha a evolução e o sucesso da intérprete de “Vou festejar”. Mesmo esse
recurso, popularesco e desgastado, se perde no fôlego curto de insuflar vivacidade
a uma dramaturgia engessada. O diretor Ernesto Piccolo administra com desenho coreográfico
a partitura binária de cenas curtas e músicas longas, buscando manter a fluidez
entre ambas. Nem sempre consegue harmonizar o texto de tom único ao ritmo da
música. O diretor reforça o entra e sai de quadros apenas como introdução à sonoridade,
que ganha destaque pela efusão que provoca como memória da sambista. A direção
musical de Rildo Hora, responsável pelos discos mais destacados de Beth
Carvalho, mantém a solidez do melhor de uma parceria, e garante a qualidade do conjunto
de músicos. A cenografia de Clívia Cohen é responsável pela funcionalidade das
mudanças de cenas, e a iluminação de Djalma Amaral pela luminosidade feérica, que
sugere a de um show. O figurino de Dani Vidal e Ney Madeira acompanha as
variações do modo de vestir em 50 anos. O elenco de 23 atores, com equilibrada
direção vocal de Pedro Lima, se desdobra em múltiplos papéis, na maior parte, tipos aparentados a figuras conhecidas. Beth
Carvalho é interpretada por três atrizes em idades diferentes. Jamilly Mariano revela
a ingenuidade da menina. Stephanie Serrat a jovem em início de carreira, e
Eduarda Fadini, a mulher na maturidade. Das três, Eduarda Fadini é quem melhor se
aproxima, vocalmente e como intérprete, da recriação da personagem real. Ana
Berttines, como a fã, não tem receio de extrapolar os limites do humor direto,
com infalível efeito na comunicação com a plateia.