Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (13/9/2015)
Crítica/ “Guerrilheiras
ou para a terra não há desaparecidos”
Histórias envoltas em sangue e embrulhadas no tempo |
A narrativa cênica de
Georgette Fadel para o texto de intervenção de Grace Pasô aponta para pontos
confluentes de origens comuns. Teatro documental que destaca acontecimento no
período da ditadura militar, identifica nas jovens que, na década de 1970,
pegaram em armas para derrubar o regime, a indignidade de mortes a não se
esquecer. A guerrilha que, de 1972 a 1975, aconteceu na região do rio Araguaia
e que deixou entre 12 mulheres capturadas, apenas uma sobrevivente, recebe
tratamento de registro sob a perspectiva do deslocamento no tempo. A atualidade
se propõe na fixação da memória do episódio e na evidência do subtítulo: “para terra
não há desaparecidos”. E o meio de sensibilização para ressoar nos dias atuais
está, segundo a autora, na “possibilidade de revolução que existe em cada
gesto, em tornar possível o gesto”. O documental se liga à mobilização, a
encontrar no passado, formas de atuar no presente, no mesmo alinhamento de
tempo e espaço ideológicos. Não se escapa dos depoimentos e da reprodução
factual, mas Grace Pasô contrabalança, parcialmente, a inflexibilidade da
realidade com a entonação suavizada do gesto quando alcança a essencialidade teatral.
Na cena inicial, símbolos dos movimentos políticos da década de 70 são
mostrados como souvernirs descartáveis, estabelecendo contrastada ligação com os nossos dias
banalizados. Ao adotar um discurso direto, sem a intermediação da poética cênica, a força expressiva se
enfraquece, tanto como exposição, quanto diálogo. O que sustenta a montagem e a
contundência de muito de seus quadros, é o impacto da instalação visual, que
associa, em constante fricção dramática, a palavra e a imagem. Sacos de lixo e peças
de plástico, os mesmos utilizados para
descartes variados, assumem a função de ensacar corpos, embrulhar histórias e simbolizar
rios e túmulos. A crueza da violência, representada por uma estética associada à
sua própria face, desvenda com maior perícia as razões insustentáveis para atos
injustificáveis. A direção audiovisual de Eryk Rocha, que capta imagens quase
abstratas da região dos conflitos, se apoia na cenografia de Aurora dos Campos
e seus contundentes envelopes e telas-terrenos em plásticos flutuantes, que
contêm corpos que falam do fundo das águas e das entranhas do solo. A
iluminação de Tomás Ribas e a consultoria corporal de Daniella Visco
complementam o enquadramento visual. O elenco – Carolina Virguez, Daniela
Carmona, Fernanda Haucke, Gabriela Carneiro da Cunha, Mafalda Pequenino e Sara
Antunes -- amplia as vozes guerrilheiras
com unidade interpretativa. As atrizes estão menos à vontade e com menor
domínio de corpo e voz nos tipos masculinos.