Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (27/6/2015)
Crítica/ “A
visita da velha senhora”
A realidade da fantasia de uma vingança |
Clara volta à cidade em que nasceu, de onde saiu
adolescente e grávida, trocada por outra pelo namorado. Depois de décadas,
reencontra a aldeia mergulhada na pobreza e oferece aos moradores quantia
milionária em troca da vida daquele que a abandonou. O suíço Friedrich
Durrenmatt, autor desta visita, expõe a perversidade da vingança e a hipocrisia
das relações sociais, impulsionadas pelo dinheiro, num quadro de contornos
céticos, sombreado pelo cinismo. A visitante, deformada fisicamente por
sucessivos acidentes, se reveste do poder de manipular consciências, instaladas
na zona nebulosa da conveniência. A presença desta heroína às avessas impõe um
sentido épico à narrativa, e aos que a circundam uma simbologia tragicômica. A
diretora Sílvia Monte procura dimensionar esses extremos numa leitura clara nos detalhes e borrada no
painel. O pequeno espaço da sala aconchegante condiciona a encenação a limites de
câmara, quando a ação exige a amplitude de mural operístico. Não se trata
apenas da restrição espacial, mas de se ajustar a possibilidade de realizar
montagem com tantos atores e complexidade de produção sem comprometer o vigor
do texto. Sílvia Monte mantém a integridade do original, numa transcrição fiel e
respeitosa, que se pode atribuir as bem avaliadas condições humanas e materiais
de que dispunha. Se a cenografia de José Dias é menos eficiente para resolver a
mudança de ambientes (a liteira e os galhos da floresta têm efeito empobrecedor),
a iluminação de Elisa Tandeta é eficiente ao criar imagens luminosas (as
passagens dos trens são plenamente figuradas). Maria Adélia compõe com a
fixidez corporal, que as consequências dos acidentes provocaram em Clara, e com
maquiagem carregada, que a rigidez das intenções da personagem anunciam, uma
interpretação calcada no desenho físico. O figurino de Pedro Sayad não favorece
a atriz, em especial pelos turbantes que provocam indesejáveis semelhanças com
famosa cantora. Adélia se concentra na minúcia dos movimentos, perdendo o
conjunto das modulações e intensidades. Marcos Ácher, como Schill, o objeto de
compra, se conserva, igualmente, numa única linha, sem acompanhar as variantes
do personagem. Os demais atores, com a exceção de Eduardo Rieche e Yashar
Zambuzzi em algumas cenas, são presenças disciplinadas.