domingo, 28 de junho de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (27/6/2015)

Crítica/ “A visita da velha senhora”
 A realidade da fantasia de uma vingança

Clara volta à cidade em que nasceu, de onde saiu adolescente e grávida, trocada por outra pelo namorado. Depois de décadas, reencontra a aldeia mergulhada na pobreza e oferece aos moradores quantia milionária em troca da vida daquele que a abandonou. O suíço Friedrich Durrenmatt, autor desta visita, expõe a perversidade da vingança e a hipocrisia das relações sociais, impulsionadas pelo dinheiro, num quadro de contornos céticos, sombreado pelo cinismo. A visitante, deformada fisicamente por sucessivos acidentes, se reveste do poder de manipular consciências, instaladas na zona nebulosa da conveniência. A presença desta heroína às avessas impõe um sentido épico à narrativa, e aos que a circundam uma simbologia tragicômica. A diretora Sílvia Monte procura dimensionar esses extremos  numa leitura clara nos detalhes e borrada no painel. O pequeno espaço da sala aconchegante condiciona a encenação a limites de câmara, quando a ação exige a amplitude de mural operístico. Não se trata apenas da restrição espacial, mas de se ajustar a possibilidade de realizar montagem com tantos atores e complexidade de produção sem comprometer o vigor do texto. Sílvia Monte mantém a integridade do original, numa transcrição fiel e respeitosa, que se pode atribuir as bem avaliadas condições humanas e materiais de que dispunha. Se a cenografia de José Dias é menos eficiente para resolver a mudança de ambientes (a liteira e os galhos da floresta têm efeito empobrecedor), a iluminação de Elisa Tandeta é eficiente ao criar imagens luminosas (as passagens dos trens são plenamente figuradas). Maria Adélia compõe com a fixidez corporal, que as consequências dos acidentes provocaram em Clara, e com maquiagem carregada, que a rigidez das intenções da personagem anunciam, uma interpretação calcada no desenho físico. O figurino de Pedro Sayad não favorece a atriz, em especial pelos turbantes que provocam indesejáveis semelhanças com famosa cantora. Adélia se concentra na minúcia dos movimentos, perdendo o conjunto das modulações e intensidades. Marcos Ácher, como Schill, o objeto de compra, se conserva, igualmente, numa única linha, sem acompanhar as variantes do personagem. Os demais atores, com a exceção de Eduardo Rieche e Yashar Zambuzzi em algumas cenas, são presenças disciplinadas.