domingo, 21 de junho de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (21/6/2015)

Crítica/ Pulsões
Sonoridade onírica de um balé terapêutico
A narrativa construída por Dib Carneiro Neto se realiza num espaço, a princípio, abstrato, com personagens, de início, puro som e movimento, que em contornos delineados por vaga dramaticidade vão surgindo como existências em conflito. Ela, uma bailarina que volteia em torno da dor de um perda a que se impôs. Ele, um músico atormentado pelas lembranças que o assaltam. O casal habita o lugar situado entre a palavra que explora e a imagem que define, num equilíbrio delicado de razão e sentimento. No confinamento de um imaginário explodido em riscos e tatuagens, coloridos por tons cinzentos de  loucura, a dupla recria em fragmentos da memória a desintegração do real. Esse percurso, marcado pelo silêncio do gesto coreográfico e pela regência interior da música, é traçado como tensão em estado arrebatado. Os choques de que não se conhecem as origens,  são conduzidos até ao enquadramento dramático revelador das situações. O autor valoriza essa filigrana construtiva, mas acusa a complexidade de transcrever pulsões emocionais para linguagem cênica. Mesmo sustentado pelo domínio dramatúrgico,  os diálogos por sua natureza literária sobrecarregam e obscurecem passagens do texto. Kika Freire criou montagem envolta em carga onírica e impulsionada por força emocional. A ambientação do cenário e figurino de Teca Fichinski reforça a opção da diretora em desenhar um balé terapêutico de musicalidade cênica. As cores dos pompons e as caixinhas de música com bailarinas dos móbiles complementam a maquiagem e as vestes inspiradas em produção pictórica do inconsciente, apostando na envolvência visual e na música de Marco França e João Bittencourt. A diretora reage com alguma timidez para estabelecer efetiva envolvência emocional, em grande parte pela dificuldade de ultrapassar a escrita literalizante e as recorrências narrativas. Cadu Fávero adota postura rígida, com rasgos autoritários, que comprometem maior modulação do regente. As variações  do personagem são encontradas pelo ator quando flexiona o físico. Fernanda de Freitas, no incessante balé a que a personagem está condenada, agarra-se a ela com o impacto que a aparência frágil da dançarina não deixa supor. Com segurança vocal, sensibilidade interpretativa e movimentos menos depurados, a atriz projeta o melhor do texto.