Crítica de
Segundo Caderno de O Globo (3/6/2015)
Crítica/ Como a Gente
Gosta
Shakespeare sem direção e rumo |
Qualquer texto teatral permite maleáveis
adaptações e incontáveis malabarismos interpretativos, desde que se justifiquem
cenicamente as visões irreverentes e as distorções inventivas. E a obra de
Shakespeare é suficientemente generosa na poética de suas tragédias e nas tramas
bem urdidas de suas comédias para se submeter a tantas versões ao longo dos
séculos e permanecer fértil na oferta de possibilidades de reinvenção. ‘As you
like it”, comédia pastoral de Shakespeare que, na versão de Vinicius Coimbra,
recebeu o título de “Como a gente gosta”, é atingida mortalmente por um acúmulo
de equívocos que resultam em comédia de erros. A começar pela avaliação de que
o jogo de disfarces e a troca de identidades do original são apenas truques para
movimentar situações descaracterizadas e sem contexto. A tradução abandona
rimas e banaliza os diálogos em favor de uma atualização simplista, comprometendo
com a palavra mal adaptada o seu verdadeiro sentido. A direção eliminou
qualquer vestígio de refinamento, apostando que a ação poderia não ser
compreendida, reduzindo-a à superficialidade de um entra-e-sai de atores em que
surgem suas figuras, nunca os personagens. Esta ciranda empalidecida e anêmica
é ambientada por uma floresta de galhos ressequidos e devastada pela aridez do
branco. E vestida por figurino pobremente básico: camiseta com o nome impresso
de cada personagem. Todas essas funções, tradução (com Gabriel Falcão),
adaptação, cenário, figurino e direção, têm a assinatura de Vinicius Coimbra,
responsável por carimbar os desacertos nos diversos elementos da montagem. Com
excessiva concentração em suas mãos de tantas solicitações, é de se supor que
Coimbra tivesse uma ideia orgânica e integrada de encenação, e o que não
funcionasse, fosse somente problema de ajuste. A impressão é de que há um tratamento
apressado e empobrecedor, desprovido de
qualquer concepção que ultrapasse o limite do improviso e da ausência de domínio
da linguagem cênica. O desastre atinge de maneira avassaladora o elenco, incapaz,
até mesmo, de seguir com alguma unidade interpretativa, a desastrada linha da
direção. Cada ator parece estar entregue à própria sorte, desempenhado papéis que
estão longe de se assemelhar ao que se pretenderia imaginar como personagens de
Shakespeare. Os atores veteranos do elenco ficam mais expostos aos desmandos de
um espetáculo sem lugar e rumo.