Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (10/6/2015)
Crítica/ Foi você
quem pediu para eu contar a minha história
Playground adulto de jogos infantis |
Com título longo e auto-explicativo, o texto da
francesa Sandrine Roche reúne, em parque infantil, quatro meninas que,
aparentemente, estão juntas para brincadeiras pueris, mas que com provocações
mútuas criam histórias que compõem narrativas cruéis. Verdadeiros ou falsos,
imaginativos ou reais, espelho ou
fotografia, os relatos se misturam como peças de armar de um jogo de
representação perverso de brincadeiras que refletem vivências assustadoras. A
morte é uma experiência amedrontadora que abala a fragilidade de quem tem medo
dos seus sentimentos e provoca aparente indiferença em quem vive o desconhecido
da sexualidade e reações para quem se defende na riqueza. No pequeno espaço do
parquinho, um mundo de sentimentos contraditórios do universo adulto se
desequilibram num balanço instável e se deslocam pela área restrita da imitação
de comportamentos. Sandrine Roche é mais habilidosa na relação entre as
narrativas do que original na construção de cada uma delas. A autora mede a distância que as idades das meninas
estabelecem com o tempo dos mais velhos de modo mecânico, numa conexão direta sem
maior intermediação das dualidades das
atitudes das garotas. Fica clara a mecanização da trama e o encantamento de
Roche pelo puzzle lúdico na
dificuldade que revela na cena final, apressada, inconclusa, perdida. Guilherme
Piva denota com sua direção dinâmica e ágil, criterioso trabalho com o quarteto
de atrizes. As ambiguidades que nem sempre o texto consegue projetar, o diretor
explora como dúvidas lançadas como indícios, sugestões e possibilidades. As
crianças não se fazem de adultos mirins e as simetrias dos dois universos
surgem com fluência cênica, preservando as incertezas de nunca se saber a
verdade do real. O cenário econômico de Paula Santa Rosa e Rafael Pieri é
iluminado, simples e funcionalmente, por Renato Machado, e o elenco vestido com
figurino de colegiais por Carol Lobato. As atrizes se investem de infantilidade
violenta e malícia desagregadora numa escalada de intenso exercício corporal,
às vezes tensa, outras vezes bem humorada. A agitação em movimentos quase acrobáticos
e a composição física em dissonância com as diferenças etárias e de tipos,
permitem que se acentuem as dubiedades da ação dramática. Bianca Castanho, com
aparência angelical, interpreta a gorda feia, enquanto Karla Tenório reverte em
força o que bullying provoca em
fraqueza. Talita Castro transmite a
confusa percepção dos mistérios da sensualidade e Fernanda Vasconcellos fica mais
atrelada a imagem da garota riquinha.