Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (6,8/2014)
Crítica/ Silêncio!
Segredo familiar colocado em pratos limpos |
Na reunião de família judaica, o shabat (celebrar o repouso e a paz no
sábado) e a comemoração dos 50 anos de um dos seus membros se transformam em
ruidosas revelações que quebram o silêncio da origem. O encontro, marcado pelo
ritual da tradição e o desgastante cerimonial das relações familiares, está
envolvido pelo mistério do tema de livro que o patriarca planeja escrever e uma
de suas netas se encarrega de pesquisar. O segredo, que atinge a cada um e se
confunde com história de diáspora, desvenda sentimentos individuais e reunifica
identidade coletiva. O texto de Renata Mizrahi ensaia percorrer os laços
desatados do passado silenciado, que ao eclodir no presente confronta
contradições e consolida as raízes. A narrativa está estabelecida por situação
bem definida, personagens caracterizados em traços seguros e diálogos de leveza
e naturalidade, à procura de construir o impacto da revelação. A autora converge
para a matriarca o ponto de inflexão em torno do qual os conflitos e a unidade
familiar se concentram, atuando como veículo do preconceito e alvo da verdade. Mas a tensão e a
subjetividade que comandam as atitudes dos comensais estão mais esboçadas do que
efetivamente desenhadas. O tom de humor agridoce e a extensão contida dos
embates mantêm a ação na trilha previsível para alcançar a grande cena da
palavra finalmente liberada. Ainda que a habilidade da autora em aplainar esse
caminho demonstre segurança e domínio dos meios, a explosão da verdade tem
menos contundência e impacto a que se propõe. A direção da dupla Renata Mizrahi
e Priscila Vidca acentua a divisão dos climas dramáticos que rondam a montagem,
ora sugerindo maior adensamento, ora reforçando o humor. A ausência de uma
atmosfera mais íntima, melancólica e distanciada, que as diretoras parecem ter evitado,
se agrava pela amplitude da arena do Espaço Sesc. O cenário de Nello Marrese na
simplicidade de seus poucos elementos fica solto em meio a área de representação, em
que nem mesmo os adereços de uma invisível coxia conseguem delimitar com mais
centralidade. A iluminação de Renato Machado abertamente clara e sem variantes,
serve mais a exposição do que à ambientação. Susana Faini como a conservadora
matriarca traduz em pequenos detalhes e sutis modulações, a exuberância verbal
de quem deseja ser a voz única da família. A atriz, numa interpretação refinada,
explora com extrema sensibilidade, o silêncio das cenas finais. Jitman
Vibranovski, numa composição física detalhada, constrói em progressivos movimentos, o peso do segredo. Karen Coelho empresta
petulância à inquietação da jovem pesquisadora. Gabriela Estevão sustenta a
noiva, driblando os contornos adocicados da personagem. Verônica Reis se ressente
das restritas cores oferecidas pela mãe reprimida e pelo desconcertante figurino.
Alexandre Mofati se restringe a tentar superar a inexpressividade do pai.
Vicente Coelho com vigor excessivo rompe com a possibilidade de um final com alguma
intensidade declinante.