Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (30/7/2014)
Crítica/ Trágica.3
Diálogo do trágico com a plasticidade |
São três mitos da tragédia grega na pulsação de
momentos limite em que a vida esgota o poder de agir para se transformar em
gesto de morte. Antígona, Medeia e Electra, mulheres que sob ameaça da própria
existência transgridem o arbítrio e assassinam os sentimentos com sangue, estão
traduzidas cenicamente em instantes performáticos independentes que capturam a
virulência das palavras na intensidade poética do desespero. O diretor
Guilherme Leme reuniu as personagens de Sófocles e Eurípedes, transpostas por
Heiner Müller (Medeia), Caio de Andrade (Antígona) e Francisco Carlos (Electra),
em concentrados monólogos que utilizam recursos visuais, videoarte e música
numa atualização em linguagens contrastadas do sentido do trágico. Trágica.3 é essencialmente uma
construção formalista, em que a plasticidade determina os rumos das vozes
femininas e os sons e a projeção condicionam o enquadramento contemporâneo. Há
perdas, ainda que pequenas, com esta concepção, que restringe a dimensão
política e humana dos textos aos condicionantes estéticos,
que adquirem imperiosa força expressiva em paralelo à interpretação das atrizes.
A moldura retangular para a limpidez do espaço cenográfico de Aurora dos Campos
contracena com a iluminação de rigoroso traçado onírico de Tomás Ribas, como se
estabelecesse diálogo permanente do espectador com uma obra pictórica em
exposição. Guilherme Leme integra as cenas sem qualquer traço de ligação, apropriando-se
de cada uma delas em diferentes costuras estilísticas. Antígona é mais explicitamente performática, com o libelo contra a
intolerância e a arbitrariedade embalado pela música eletrônica e a sonoridade
de cânticos e lamentos gregos. A evocação da dor envolta em ruídos sussurrantes
e musicalidade rascante é amenizada pela emoção de Letícia Sabatella. Electra se estrutura como um ritual de
vingança, em forma de cerimônia que adquire aspecto oriental pela ascendência
da atriz, o figurino de Glória Coelho e o visagismo de Leopoldo Pacheco. A
iluminação e o cenário ganham seu melhor contorno neste quadro, no qual Miwa
Yanagizawa com postura corporal rígida, máscara facial imutável e pausas
medidas, percorre zonas periféricas do ódio da personagem aos assassinos do
pai. Medeia é recriada por viés mais
dramático, em sintonia com o temperamento de Denise Del Vecchio. De veste
preta, com economia de movimentos, voz vigorosa e autoridade cênica, a atriz projeta
a tessitura da vingança da mulher que atinge sua descendência. Fernando Alves
Pinto e Marcello H, têm maior participação como músicos e são responsáveis, ao
lado de Letícia Sabatella pela onipresente trilha original.