Crítica do Segundo Caderno de O Globo (23/7/2014)
Crítica/ A Dama
do Mar
Ibsen em desenho geométrico |
Na versão condensada de Maurício Arruda Mendonça
do drama em cinco atos do norueguês Henrik Ibsen, a narrativa simbólica da
mulher que faz do mar condição essencial da sua existência é submetida a corte
longitudinal na trama. Ellida, que tem no mar a extensão metafórica de si
mesma, transfigura na água a sua alma atormentada em movimentos de ação e
repulsão, e ao contrário de outras personagens femininas de Ibsen, como a
protagonista de Hedda Gabler ou Nora
de Casa de Bonecas, não age para
romper os laços burgueses. O desejo de liberdade, tanto dela quanto das filhas
do marido Wangel, segue as oscilações pendulares de sentimentos contraditórios,
imobilistas, sombrios, que nos extremos da dúvida se anulam. O caráter
simbolista do texto que costura o realismo sem justificativas psicológicas, deixa
entrever formas ocultas das tensões emocionais, percorrendo linha de
sensibilidades errantes. Como diz Wangel: “os sentimentos são sempre enigmas”. A
adaptação desenha o enigmático em traços fortes, numa síntese dos choques que o
desconhecido provoca nos personagens, reduzindo a dimensão poética e o mistério
da angústia. O diretor Paulo de Moraes, também cenógrafo, ambienta a cena com a
simplicidade geométrica de dois aquários retangulares e um filete de luz azul,
que evocam a onipresença do mar. Esse despojamento visual, que não é quebrado nem
mesmo pelo impacto de atores mergulhando no tanque maior, domina as
interpretações do elenco e reflete a contenção do adaptador. O que parece, de
início, uma cenografia para efeito único de utilização dramática como piscina, revela
com a sutileza da iluminação de Maneco Quinderé e a envolvência sonora da
trilha original de Ricco Viana coerência de concepção. O figurino de Carol
Lobato evita a roupa de época, acentuando o ar contemporâneo com os pés
descalços. Aos signos plásticos tão simples corresponde quadro cênico igualmente
sem muitos adereços, que algumas vezes compromete a atmosfera opressiva dentro
da qual se debatem os personagens. A montagem vive a contradição de menor
densidade dramática quanto maior é a distância que estabelece no confronto das
interioridades ao dissecar as cenas no limite da sua expressão essencial. O
elenco fica restrito a esse espaço de pouco contraste, em que cada intérprete apresenta
de maneira expositiva seu personagem em detrimento de mergulho mais profundo.
Leonardo Hinckel transmite com excessivo vigor o idealismo do postulante a
artista. Joelson Medeiros confere discreta projeção ao professor. Andressa
Lameu não imprime autoridade ao contundente monólogo inicial. Renata Guida,
como outra das filhas, alcança bons momentos, em especial na reiteração das
palavras na cena final. João Vitti tenta encontrar a pulsão atrativa do estrangeiro.
Zeca Cenovicz torna uniformes as ambiguidades do marido. Tânia Pires fica
perdida entre a leve melancolia e a compulsão histérica com que procura
sustentar a sua Ellida.