Salvador
Jango - Uma Tragedya , de Glauber Rocha, em temporada no
Teatro Vila Velha
Jango, Uma Tragedya, a única peça
teatral do cineasta Glauber Rocha, se parece com um manifesto político. O
temperamento inquieto e a necessidade expressiva do criador tão impetuoso
quanto Glauber não são suficientes para fazer desta versão teatral da história
política do presidente João Goulart, sequer um roteiro cênico. O que
transparece nesta sequência de frases sentenciosas, de discursos políticos em
tom subjetivo e fragmentação em quadros, sem qualquer enquadramento dramático,
é o proselitismo político e pessoal, no qual a figura de Jango fica reduzida a
mero pretexto e opaca inspiração. O autor usa o personagem menos como
referência histórico-biográfica – ainda que o texto assuma um incômodo aspecto
de relatório factual – para trazê-lo à cena como simulacro da tragedya brasileira. Em nenhum momento o
presidente deposto em 1964 assume o papel emblemático de tragicidade. As
contradições e hesitações do personagem, que são apenas arranhados por Glauber,
demonstram que não se conseguiu emprestar-lhe a transcendência épica de
representação da nacionalidade ferida. E sem obter o efeito dos cortes cinematográficos
da edição glauberiana, Jango é tão
somente sequência de cenas fragmentadas que têm em si pouca ou nenhuma possibilidade
de tradução teatral. Cita nomes tão díspares quanto Elizabeth Taylor, Carmem
Miranda e Regina Rozemburgo (uma amiga, a quem a peça, escrita em 1976, é
dedicada), e submerge na falta de sustentação para essas injustificadas inclusões.
As formas delirantes, sobretudo visuais e verbais, que empresta a seus filmes
estão ausentes, deixando à mostra a apressada escrita do texto (redigido em
apenas três dias), a reunião aleatória e discursiva de opiniões condenadas, já
na origem, de se perder no vazio do discurso político confuso e contraditório. O
diretor Márcio Meirelles procurou, com projeções, ar tropicalista na cenografia
e ritualização das interpretações, ordenar, cenicamente, o caótico material
dramático. Foi vencido pela fragilidade do texto estruturalmente capenga e pela
dificuldade de construir narrativa que tornasse menos intrigante os desvios de
tempo e o excesso de referências. Meirelles, fiel à sua estética como
encenador, ocupa a área de representação do Vila Velha (passarela que termina
em palco e frisas laterais) com movimentação da massa de atores numa celebração
ao estilo dos anos 70. À inexperiência
da maioria do elenco, oriundo da Universidade Livre do Teatro Vila Velha, se
juntam as indistintas atuações, que dificultam ainda mais a percepção de quem
se fala e a que se referem. Jango – Uma
Tragedya é uma aposta perdida, que se mostra tão desatualizada e anacrônica
quanto a grafia do subtítulo.