quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Outros Palcos

Salvador

Jango - Uma Tragedya , de Glauber Rocha, em temporada no Teatro Vila Velha
Imagem anacrônica e confusa de manifesto pessoal

Jango, Uma Tragedya, a única peça teatral do cineasta Glauber Rocha, se parece com um manifesto político. O temperamento inquieto e a necessidade expressiva do criador tão impetuoso quanto Glauber não são suficientes para fazer desta versão teatral da história política do presidente João Goulart, sequer um roteiro cênico. O que transparece nesta sequência de frases sentenciosas, de discursos políticos em tom subjetivo e fragmentação em quadros, sem qualquer enquadramento dramático, é o proselitismo político e pessoal, no qual a figura de Jango fica reduzida a mero pretexto e opaca inspiração. O autor usa o personagem menos como referência histórico-biográfica – ainda que o texto assuma um incômodo aspecto de relatório factual – para trazê-lo à cena como simulacro da tragedya brasileira. Em nenhum momento o presidente deposto em 1964 assume o papel emblemático de tragicidade. As contradições e hesitações do personagem, que são apenas arranhados por Glauber, demonstram que não se conseguiu emprestar-lhe a transcendência épica de representação da nacionalidade ferida. E sem obter o efeito dos cortes cinematográficos da edição glauberiana, Jango é tão somente sequência de cenas fragmentadas que têm em si pouca ou nenhuma possibilidade de tradução teatral. Cita nomes tão díspares quanto Elizabeth Taylor, Carmem Miranda e Regina Rozemburgo (uma amiga, a quem a peça, escrita em 1976, é dedicada), e submerge na falta de sustentação para essas injustificadas inclusões. As formas delirantes, sobretudo visuais e verbais, que empresta a seus filmes estão ausentes, deixando à mostra a apressada escrita do texto (redigido em apenas três dias), a reunião aleatória e discursiva de opiniões condenadas, já na origem, de se perder no vazio do discurso político confuso e contraditório. O diretor Márcio Meirelles procurou, com projeções, ar tropicalista na cenografia e ritualização das interpretações, ordenar, cenicamente, o caótico material dramático. Foi vencido pela fragilidade do texto estruturalmente capenga e pela dificuldade de construir narrativa que tornasse menos intrigante os desvios de tempo e o excesso de referências. Meirelles, fiel à sua estética como encenador, ocupa a área de representação do Vila Velha (passarela que termina em palco e frisas laterais) com movimentação da massa de atores numa celebração ao estilo  dos anos 70. À inexperiência da maioria do elenco, oriundo da Universidade Livre do Teatro Vila Velha, se juntam as indistintas atuações, que dificultam ainda mais a percepção de quem se fala e a que se referem. Jango – Uma Tragedya é uma aposta perdida, que se mostra tão desatualizada e anacrônica quanto a grafia do subtítulo.