Crítica do Segundo Caderno de O Globo (25/6/2014)
Crítica/ Vianninha Conta o Último Combate do Homem Comum
Crítica/ Vianninha Conta o Último Combate do Homem Comum
“Em família”, que Oduvaldo Vianna Filho escreveu
no início da década de 70 e que numa primeira versão teve a participação de
Paulo Pontes e Ferreira Gullar, foi rebatizada pelo diretor Aderbal Freire-Filho
como “ Vianninha conta o último combate do homem comum”. Mais do que a mudança
de título, Aderbal foi à procura de reencontrar o invólucro social que reveste a
dramaturgia do autor, circundando os últimos movimentos de um homem simples
frente a um mundo injusto. O casal idoso, que reúne os filhos em almoço para
comunicar que estão despejados da casa em que viveram por décadas, é separado em
seguida e acolhido, com constantes atritos, por dois deles. A distribuição,
obedecendo a lógica da conveniência, faz prevalecer as urgências do presente diante
de atribuído peso ao já vivido. As razões, reais ou maquiadas, os afetos,
verdadeiros ou falsos, o fardo, medido e descartado, encontram suas justificativas
numa ambientação que nega, quase anulando, a pequenez de vida do indivíduo sem
qualidades. A história de alguém que viveu nos estreitos limites de justeza
provinciana e ingênua termina apenas com o sopro da certeza de que, na falta de
alternativa, “valeu a pena”. O realismo dramático da narrativa, que arranha o
melodrama, se fraciona em tempos simultâneos, tendo nos diálogos ágeis e no
delineamento dos personagens o contraponto que amplia a visão que leva os
velhinhos ao abandono. O diretor Aderbal Freire-Filho seguiu o caminho de confrontar
o dramático com o distanciamento, incorporando um palhaço que, de certo modo,
conduz a montagem e representa os personagens exteriores à família. E
transformou objetos que figuram a cena familiar, como mesa e cadeiras, em móveis
que impulsionam e tipificam a ação. Ao afastar o risco de atuações de
naturalismo exemplar, descaracterizando os personagens através dos reversos de
suas atitudes, restringe, esfriando, o espaço do melodramático. A cenografia de
Fernando Mello da Costa com o painel de janelas ao fundo e acúmulo de
mobiliário nas coxias serve à concepção do diretor, que mantém o elenco à vista,
durante todo o tempo, no palco. Em torno da mesa, centro fixo dos ritos familiares,
se movimentam e mudam os ocupantes das cadeiras, posições que se alternam, e
que, na última cena, são subvertidas quando o casal idoso toma posse do móvel
para reiterar sua solidão. Paulo Cesar Medeiros investe numa iluminação mais
aberta, e a trilha sonora de Tato Taborda sublinha as passagens de tempo. O
elenco responde à linha do diretor com algumas limitações. Vera Novello e
Cândido Damm, evitando cair na armadilha dos velhinhos fofos, forçam o humor.
Isio Ghelman carrega no drama, mesmo de costas para a plateia. Ana Velloso briga
com o sotaque paulista da personagem. Paulo Giardini compõe o filho bêbado.
Gillray Coutinho infla com ar bufão o amigo. Ana Barroso está sóbria. Kadu
Garcia desempenha as funções do palhaço. Bella Camero e Beth Lamas têm
participações menores.