O autor
inglês Mike Bartlett está com duas peças em cartaz nos teatros cariocas: Contrações (Centro Cultural Banco do
Brasil) e Cock –Briga de Galo (Teatro
Poeira). É a oportunidade de avaliar, através de um mesmo dramaturgo, aspectos
da nova criação dramática britânica. (Leia as críticas abaixo).
Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (11/6/2014)
Crítica/ Contrações
O inglês Mike Bartlett redimensiona, através da
linguagem retirada da própria situação realista de que se utiliza para
construir a sua narrativa, o eixo dramático em torno do qual os mecanismos de poder
se normatizam como valor absoluto. A funcionária Emma é informada pela gerente que,
contratualmente, estão vetados quaisquer relacionamentos, amorosos ou sexuais,
com colegas da empresa. Da primeira ida de Emma à sala da gerente, um contato
artificialmente amistoso, e antecipadamente ameaçador, se sucedem tantos outros,
que em progressão, desumanizam e destroem a possibilidade de afirmação de
sentimentos e expressão da individualidade. O exercício de dominação, que a
cada diálogo ganha contornos mais invasivos, está fundamento em normas e regras
de fidelidade baseadas na prática do terror pela negação. Bartlett reproduz a
terminologia empresarial, emprestando significados cínicos aos métodos
corporativos, em contraponto ao aniquilamento das vontades e escolhas privadas.
É sobre o uso manipulador da palavra, encoberta pela mentirosa procura de sua
exatidão burocrática que o autor desenvolve as personagens, ambas submetidas à dissonância
da voz administrativa e anuladora. O prólogo anuncia com comentários sonoros
irônicos – a cada cena é atribuída um gênero musical, introduzido por ruidosa
bateria – o compasso nivelador, que transforma Emma e sua superiora na refração
de uma mesma obscuridade funcional. O aspecto seriado das cenas e o repetido
formato do diálogo conferem desidratação de dramaticidade, que sofre alguma
quebra na parte final, mas sem comprometer a secura expositiva e a tensão
subjetiva dominantes no restante do tempo. A diretora Grace Pasô e o cenógrafo
André Cortez subvertem o realismo da cena com atuações de intensidade fria e desvendamento
dos bastidores. A equipe técnica integra a montagem, sendo vista através das
janelas do escritório da gerente, operando som e luz nesta área de escape para
onde Emma se refugia e explode sua raiva impotente. Um duto de refrigeração expele
ar que congela a temperatura emocional, nivelando as personagens no mesmo grau
de sujeição às regras empresariais. A diretora explora o rompimento dos limites
do espaço da representação como área de sentimentos, construída em solo árido e
asséptico dos desempenhos controlados. Grace Pasô não evita os excessos que o
texto acrescenta à narrativa enxuta, como no corpo de Emma que se curva e se
cobre de terra, metáforas físicas, e pouco inspiradas, do esfacelamento
crescente de identidade. Débora Falabella valoriza a composição corporal como centro de sua interpretação,
demonstrando menor intimidade no manuseio da crueza da palavra. Yara de Novaes
tensiona corpo e palavra num embate em que mantém subjetividade velada, equilibrando
o papel exteriorizado de representante da empresa e a interioridade silenciosa de
quem não se deixa ver. Uma interpretação irretocável.
Crítica/ Cock –
Briga de Galo
O jogo que Bartlett estabelece entre os três
personagens centrais nesta narrativa de contornos realistas não ultrapassa a
manipulação de pistas. O casal masculino, vivendo relacionamento afetivo de
alguma estabilidade, apresenta fraturas quando um deles se diz apaixonado por
uma mulher. Criado o triângulo, em que os vértices se estranham, mas não se separam,
um quarto, o pai daquele que se sente desprezado, surge como fiel da balança em
jantar em que ficará decidido com que ficará o rapaz. Numa construção convencional,
o truque de Bartlett é muito mais cênico do que dramático. Como os personagens
não demonstram força para decidir sobre suas vidas, já que todos se estiolam em
permanente estado de hesitação, fica-se sem saber, efetivamente, quais as
razões das suas dúvidas. No vai e vem de quem fica com quem, os três parecem
tão desprovidos de verdadeiro interesse mútuo, que suas atitudes correspondem a
meras vontades superficiais. O que ressalta está na forma como o autor reveste
tão frágil narrativa de despojamento, nada inovador, mas pelo menos atenuante à
linearidade das falsas emoções. Elimina-se, praticamente, a cenografia. Os
atores são postos numa rinha sem adereços para que possam disputar-se como
personagens ou medir forças como intérpretes. Sugestão do autor que a diretora
Inez Viana segue à risca e o elenco aproveita apenas em parte. Felipe Lima
eleva as idas e vindas do rapaz, dividido entre o amante e a garota, a temperatura
que se avizinha ao explosivo, muito acima da medida do personagem. Débora Lamm
se mantém num mesmo plano, sem nuanças, da sedução ao duelo final. Marcio
Machado acentua em interpretação carregada de trejeitos a desinteressante
figura do outro amante na disputa. Hélio Ribeiro faz o possível para dar
veracidade ao pai de extemporânea presença.