quarta-feira, 11 de junho de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (8/6/2014)

Crítica/ Cássia Eller – O Musical 
Interpretação de efeito espelho        

Musicais biográficos atendem a requisitos expressivos que se cristalizaram ao longo de muita repetição e alguma preguiça em reinventar-se. Roteirizam-se fatos de uma vida, relacionam-se músicas que os comentem, ou apenas as reproduzem, e escolhe-se intérprete que mais se pareça, ou melhor imite, física e vocalmente, as características do biografado. Deste modo, ficam preenchidos os itens de um informal e não escrito           caderno de encargos do gênero. “Cássia Eller – O musical” é a demonstração de como esses critérios são postos em prática. O texto de Patrícia Andrade trata a trajetória artística e pessoal da cantora, morta há 13 anos, aos 39 anos, como um retrato cronológico e expositivo, sem situações que o enquadre e contexto que o provoque. Como em pesquisa, em que se coletam fatos e  se estabelece ordenamento, a autora segue a linha de reportar acontecimentos e registrar presenças de circunstância, em paralelo à apresentação de repertório musical. A primeira experiência de sua sexualidade, a mudança da família do Rio para Brasília, as tentativas no teatro, os embates com empresários e gravadoras, a timidez, os relacionamentos amorosos, o nascimento do filho e a morte são contados em sequência, embalados por mais de três dezenas de músicas que acompanham cada tempo vivido. Cássia Eller não surge como personagem, mas como figura. Os diretores João Fonseca e Vinícius Arneiro contribuíram com falta de empenho em inventar dramaturgia cênica que não se limitasse a coreografia de atores-cantores em uma troca de cadeiras.  O cenário cavernoso de planejamentos pretos e os músicos escondidos no fundo do palco impulsionam ainda mais o visual sombrio, que nem mesmo a luz de Maneco Quinderé consegue vencer. O figurino de Marília Carneiro e Lydia Quintaes, que procura, sem muita inspiração, refletir a época e comportamentos, é complementado por inacreditáveis perucas. A qualidade da banda e da direção musical de Lalan e Fernando Nunes se destacam pelo som vigoroso, que o elenco – Mário Hermeto, Eline Porto, Evelyn Castro, Thainá Gallo, Jana Figarella, Emerson Espínola (uma cópia de Nando Reis) –, em coro ou solos, projeta com boas vozes. Tacy de Campos refigura Cássia Elller com timbre e gestual similares ao da cantora, numa interpretação de efeito espelho, que valoriza a voz da atriz e da homenageada, e deixa entrever a instrumentista de recursos. Em 2h30, Tacy incorpora Cássia em composição mimética, como se a revivesse em show nostálgico, parcialmente teatralizado, em que a personalidade artística é repassada pela outra, num diálogo evocativo que sensibiliza a maioria da plateia.