Crítica
do Segundo Caderno de O Globo (8/6/2014)
Crítica/ Cássia Eller – O Musical
Interpretação de efeito espelho |
Musicais biográficos atendem a requisitos
expressivos que se cristalizaram ao longo de muita repetição e alguma preguiça
em reinventar-se. Roteirizam-se fatos de uma vida, relacionam-se músicas que os
comentem, ou apenas as reproduzem, e escolhe-se intérprete que mais se pareça,
ou melhor imite, física e vocalmente, as características do biografado. Deste
modo, ficam preenchidos os itens de um informal e não escrito caderno de encargos do gênero.
“Cássia Eller – O musical” é a demonstração de como esses critérios são postos
em prática. O texto de Patrícia Andrade trata a trajetória artística e pessoal
da cantora, morta há 13 anos, aos 39 anos, como um retrato cronológico e expositivo,
sem situações que o enquadre e contexto que o provoque. Como em pesquisa, em
que se coletam fatos e se estabelece
ordenamento, a autora segue a linha de reportar acontecimentos e registrar
presenças de circunstância, em paralelo à apresentação de repertório musical. A
primeira experiência de sua sexualidade, a mudança da família do Rio para
Brasília, as tentativas no teatro, os embates com empresários e gravadoras, a
timidez, os relacionamentos amorosos, o nascimento do filho e a morte são
contados em sequência, embalados por mais de três dezenas de músicas que acompanham
cada tempo vivido. Cássia Eller não surge como personagem, mas como figura. Os
diretores João Fonseca e Vinícius Arneiro contribuíram com falta de empenho em inventar
dramaturgia cênica que não se limitasse a coreografia de atores-cantores em uma
troca de cadeiras. O cenário cavernoso
de planejamentos pretos e os músicos escondidos no fundo do palco impulsionam
ainda mais o visual sombrio, que nem mesmo a luz de Maneco Quinderé consegue
vencer. O figurino de Marília Carneiro e Lydia Quintaes, que procura, sem muita
inspiração, refletir a época e comportamentos, é complementado por
inacreditáveis perucas. A qualidade da banda e da direção musical de Lalan e
Fernando Nunes se destacam pelo som vigoroso, que o elenco – Mário Hermeto,
Eline Porto, Evelyn Castro, Thainá Gallo, Jana Figarella, Emerson Espínola (uma
cópia de Nando Reis) –, em coro ou solos, projeta com boas vozes. Tacy de
Campos refigura Cássia Elller com timbre e gestual similares ao da cantora,
numa interpretação de efeito espelho, que valoriza a voz da atriz e da
homenageada, e deixa entrever a instrumentista de recursos. Em 2h30, Tacy
incorpora Cássia em composição mimética, como se a revivesse em show nostálgico,
parcialmente teatralizado, em que a personalidade artística é repassada pela
outra, num diálogo evocativo que sensibiliza a maioria da plateia.