Crítica do Segundo Caderno de O Globo (4/6/2014)
Crítica/ Relações Aparentes
Crítica/ Relações Aparentes
Comédia inglesa à brasileira |
Comédia tipicamente inglesa, com estrutura que
lembra o boulevard, gênero genuinamente francês, o texto de
Alan Ayckbourn não escapa dos condicionantes de sua origem. E estes são os seus
maiores méritos. Ao repetir as chaves de humor e a técnica de abordá-las que
compõem narrativa, em que dubiedades, aparência e troca de papéis determinam o
percurso do riso, o autor segue a prescrição de como usar, em boa dosagem,
produto de consumo bem acondicionado. Dois casais, de faixas de idades
diferentes, um jovem e ansioso, e outro, cinquentão e estabelecido, se
encontram, por coincidências provocadas por erros de comunicação, em casa no countryside. O
fato da garota ser amante do dono da casa, visitada pelo ingênuo namorado, que
conhece a esposa e dona de casa dedicada ao marido e ao lar, aciona a trama,
numa comédia de erros de pessoas em sequência. De início, Ayckbourn oferece
pistas falsas, envolvendo a ação em clima duvidoso, armando a história com
elementos que se desvendam ao longo da convivência dos personagens. Ainda que a
meio dos mal entendidos o público já perceba o mecanismo das trocas e a óbvia
recomposição do final, o que valoriza o texto é alguma ironia e tom espirituoso
de raiz britânica. Para nós, muito dessas referências se perdem, o que não nos
faz falta, mas reduz o humor às situações que o provocam. Os diretores Ary
Coslov e Edson Fieschi parecem ter considerado essa atmosfera inglesa como
ponto de partida, mas não a levaram muito adiante. A montagem está fixada
no desenvolvimento da ação, e no abrasileiramento das
interpretações dos atores. O cenário de Marcos Flaksman é a mais destacada
lembrança de onde e em que tempo teatral se deseja ambientar o espetáculo. Com
realismo de detalhes, a cenografia reproduz a fachada de chalé inglês, com
pátio, cadeiras e mesa para chás no verão, e indefectível telão pintado com
paisagem campestre. Como a ação se passa na década de 60, o figurino de Marília
Carneiro se ajusta à época, assim como a trilha sonora, um tanto interveniente
demais, de Ary Coslov. No elenco é que se nota a linha mais nacionalizada que
os diretores imprimiram à montagem. Frank Borges, demonstrando bom ritmo de
comédia, exagera na caracterização do jovem algo obtuso. Tato Gabus Mendes
regula os disfarces do amante pela máscara da comédia rasgada. Antonia Frering
não consegue projetar a esposa, entre a ingênua e a esperta, senão com
rigidez de atuação mecânica. Giselle Batista se apaga na medida em que a
garota revela ser apenas o pivô de tudo.