domingo, 29 de junho de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (25/6/2014)

Crítica/ Vianninha Conta o Último Combate do Homem Comum 
Descarte em torno da mesa familiar

“Em família”, que Oduvaldo Vianna Filho escreveu no início da década de 70 e que numa primeira versão teve a participação de Paulo Pontes e Ferreira Gullar, foi rebatizada pelo diretor Aderbal Freire-Filho como “ Vianninha conta o último combate do homem comum”. Mais do que a mudança de título, Aderbal foi à procura de reencontrar o invólucro social que reveste a dramaturgia do autor, circundando os últimos movimentos de um homem simples frente a um mundo injusto. O casal idoso, que reúne os filhos em almoço para comunicar que estão despejados da casa em que viveram por décadas, é separado em seguida e acolhido, com constantes atritos, por dois deles. A distribuição, obedecendo a lógica da conveniência, faz prevalecer as urgências do presente diante de atribuído peso ao já vivido. As razões, reais ou maquiadas, os afetos, verdadeiros ou falsos, o fardo, medido e descartado, encontram suas justificativas numa ambientação que nega, quase anulando,  a pequenez de vida do indivíduo sem qualidades. A história de alguém que viveu nos estreitos limites de justeza provinciana e ingênua termina apenas com o sopro da certeza de que, na falta de alternativa, “valeu a pena”. O realismo dramático da narrativa, que arranha o melodrama, se fraciona em tempos simultâneos, tendo nos diálogos ágeis e no delineamento dos personagens o contraponto que amplia a visão que leva os velhinhos ao abandono. O diretor Aderbal Freire-Filho seguiu o caminho de confrontar o dramático com o distanciamento, incorporando um palhaço que, de certo modo, conduz a montagem e representa os personagens exteriores à família. E transformou objetos que figuram a cena familiar, como mesa e cadeiras, em móveis que impulsionam e tipificam a ação. Ao afastar o risco de atuações de naturalismo exemplar, descaracterizando os personagens através dos reversos de suas atitudes, restringe, esfriando, o espaço do melodramático. A cenografia de Fernando Mello da Costa com o painel de janelas ao fundo e acúmulo de mobiliário nas coxias serve à concepção do diretor, que mantém o elenco à vista, durante todo o tempo, no palco. Em torno da mesa, centro fixo dos ritos familiares, se movimentam e mudam os ocupantes das cadeiras, posições que se alternam, e que, na última cena, são subvertidas quando o casal idoso toma posse do móvel para reiterar sua solidão. Paulo Cesar Medeiros investe numa iluminação mais aberta, e a trilha sonora de Tato Taborda sublinha as passagens de tempo. O elenco responde à linha do diretor com algumas limitações. Vera Novello e Cândido Damm, evitando cair na armadilha dos velhinhos fofos, forçam o humor. Isio Ghelman carrega no drama, mesmo de costas para a plateia. Ana Velloso briga com o sotaque paulista da personagem. Paulo Giardini compõe o filho bêbado. Gillray Coutinho infla com ar bufão o amigo. Ana Barroso está sóbria. Kadu Garcia desempenha as funções do palhaço. Bella Camero e Beth Lamas têm participações menores.                

terça-feira, 24 de junho de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (18/6/2014)

Crítica/ Crazy For You
Alinhado com velhos musicais

Na oferta crescente de vários tipos de musicais, em que as variantes oscilam entre biográficos nacionais, importados estrangeiros e híbridos comerciais, todos parecem aproveitar o atual, e quase sempre, bom momento da procura nas bilheterias. A frequência com que o gênero aparece a cada temporada é bem maior do que o surgimento de espetáculos que ampliem a constatação de que a produção local tem capacidade técnica e artística de reproduzir os originais de fora, e de que o público já incorporou a linguagem, que até há algum tempo, era resistente ao paladar brasileiro. Hoje, importa-se bastante, produz-se muito, patrocina-se com generosidade e procura-se cortejar e reiterar o interesse das plateias. “Crazy for you” tem como subtítulo, na versão de Miguel Falabella, “um musical da Broadway para toda a família”, que indica a ingenuidade da trama de caráter nitidamente americano, evocando ainda tom saudosista por músicas e letras dos anos 30 assinadas por George e Ira Gershwin. Apesar da estreia em Nova Iorque ter sido há 22 anos, a montagem já nasceu envelhecida com seu ar vintage involuntário, difícil de sobreviver como entretenimento indistinto ou familiar. A estrutura tradicional do gênero é reproduzida com elementos convencionais de dança, com base no sapateado e coreografia acrobática e na narrativa apagada e inexpressiva. O que se sustenta, indiferente à passagem do tempo e ao passadismo cênico, é a trilha musical, com clássicos da dupla de compositores que resiste aos arrufos de casais e aos bastidores dos ensaios de um elenco de caipiras. A transcrição nacional segue o modelo de origem, com a adaptação em pequenos detalhes na cenografia e figurino e na fotográfica direção. A matriz criativa predomina sobre eventuais intervenções autônomas que a equipe nativa possa ter feito, apesar da sua resposta correta às exigências e à regulação impostas. A direção musical e vocal de Marconi Araújo, mesmo sem acrescentar brilho à partitura, explora a sonoridade melódica das canções. O desenho de luz de Wagner Freire esquenta a cena, apoiado pelos bem executados figurino de Fabio Namatame e cenário de Duda Arruk. O diretor José Possi Neto orquestrou com precisão os movimentos de um show de exibicionismo de mudanças de cenário, troca de roupas e de climas luminosos. Os personagens Bobby Child (Jarbas Homem de Mello) e Polly Baker (Claudia Raia) formam o casal central em torno do qual figuras coadjuvantes circulam até o feliz encontro final. O elenco obedece a esta hierarquia, ganhando algum destaque os atores Marcos Tumura e Liane Maya e a disciplina e a segurança técnica do coro de 22 atores-cantores-bailarinos. Cláudia Raia com voz ensaiada, mas sem alcance, se apoia na comicidade e Jarbas Homem de Mello demonstra as suas qualidades de dançarino.       

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Temporada 2014

O autor inglês Mike Bartlett está com duas peças em cartaz nos teatros cariocas: Contrações (Centro Cultural Banco do Brasil) e Cock –Briga de Galo (Teatro Poeira). É a oportunidade de avaliar, através de um mesmo dramaturgo, aspectos da nova criação dramática britânica. (Leia as críticas abaixo).


Crítica do Segundo Caderno de O Globo (11/6/2014)

Crítica/ Contrações
Terror corporativo através da negação
O inglês Mike Bartlett redimensiona, através da linguagem retirada da própria situação realista de que se utiliza para construir a sua narrativa, o eixo dramático em torno do qual os mecanismos de poder se normatizam como valor absoluto. A funcionária Emma é informada pela gerente que, contratualmente, estão vetados quaisquer relacionamentos, amorosos ou sexuais, com colegas da empresa. Da primeira ida de Emma à sala da gerente, um contato artificialmente amistoso, e antecipadamente ameaçador, se sucedem tantos outros, que em progressão, desumanizam e destroem a possibilidade de afirmação de sentimentos e expressão da individualidade. O exercício de dominação, que a cada diálogo ganha contornos mais invasivos, está fundamento em normas e regras de fidelidade baseadas na prática do terror pela negação. Bartlett reproduz a terminologia empresarial, emprestando significados cínicos aos métodos corporativos, em contraponto ao aniquilamento das vontades e escolhas privadas. É sobre o uso manipulador da palavra, encoberta pela mentirosa procura de sua exatidão burocrática que o autor desenvolve as personagens, ambas submetidas à dissonância da voz administrativa e anuladora. O prólogo anuncia com comentários sonoros irônicos – a cada cena é atribuída um gênero musical, introduzido por ruidosa bateria – o compasso nivelador, que transforma Emma e sua superiora na refração de uma mesma obscuridade funcional. O aspecto seriado das cenas e o repetido formato do diálogo conferem desidratação de dramaticidade, que sofre alguma quebra na parte final, mas sem comprometer a secura expositiva e a tensão subjetiva dominantes no restante do tempo. A diretora Grace Pasô e o cenógrafo André Cortez subvertem o realismo da cena com atuações de intensidade fria e desvendamento dos bastidores. A equipe técnica integra a montagem, sendo vista através das janelas do escritório da gerente, operando som e luz nesta área de escape para onde Emma se refugia e explode sua raiva impotente. Um duto de refrigeração expele ar que congela a temperatura emocional, nivelando as personagens no mesmo grau de sujeição às regras empresariais. A diretora explora o rompimento dos limites do espaço da representação como área de sentimentos, construída em solo árido e asséptico dos desempenhos controlados. Grace Pasô não evita os excessos que o texto acrescenta à narrativa enxuta, como no corpo de Emma que se curva e se cobre de terra, metáforas físicas, e pouco inspiradas, do esfacelamento crescente de identidade. Débora Falabella valoriza  a composição corporal como centro de sua interpretação, demonstrando menor intimidade no manuseio da crueza da palavra. Yara de Novaes tensiona corpo e palavra num embate em que mantém subjetividade velada, equilibrando o papel exteriorizado de representante da empresa e a interioridade silenciosa de quem não se deixa ver. Uma interpretação irretocável. 

Crítica/ Cock – Briga de Galo
Manipulação de pistas em disputa amorosa
O jogo que Bartlett estabelece entre os três personagens centrais nesta narrativa de contornos realistas não ultrapassa a manipulação de pistas. O casal masculino, vivendo relacionamento afetivo de alguma estabilidade, apresenta fraturas quando um deles se diz apaixonado por uma mulher. Criado o triângulo, em que os vértices se estranham, mas não se separam, um quarto, o pai daquele que se sente desprezado, surge como fiel da balança em jantar em que ficará decidido com que ficará o rapaz. Numa construção convencional, o truque de Bartlett é muito mais cênico do que dramático. Como os personagens não demonstram força para decidir sobre suas vidas, já que todos se estiolam em permanente estado de hesitação, fica-se sem saber, efetivamente, quais as razões das suas dúvidas. No vai e vem de quem fica com quem, os três parecem tão desprovidos de verdadeiro interesse mútuo, que suas atitudes correspondem a meras vontades superficiais. O que ressalta está na forma como o autor reveste tão frágil narrativa de despojamento, nada inovador, mas pelo menos atenuante à linearidade das falsas emoções. Elimina-se, praticamente, a cenografia. Os atores são postos numa rinha sem adereços para que possam disputar-se como personagens ou medir forças como intérpretes. Sugestão do autor que a diretora Inez Viana segue à risca e o elenco aproveita apenas em parte. Felipe Lima eleva as idas e vindas do rapaz, dividido entre o amante e a garota, a temperatura que se avizinha ao explosivo, muito acima da medida do personagem. Débora Lamm se mantém num mesmo plano, sem nuanças, da sedução ao duelo final. Marcio Machado acentua em interpretação carregada de trejeitos a desinteressante figura do outro amante na disputa. Hélio Ribeiro faz o possível para dar veracidade ao pai de extemporânea presença.              

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (8/6/2014)

Crítica/ Cássia Eller – O Musical 
Interpretação de efeito espelho        

Musicais biográficos atendem a requisitos expressivos que se cristalizaram ao longo de muita repetição e alguma preguiça em reinventar-se. Roteirizam-se fatos de uma vida, relacionam-se músicas que os comentem, ou apenas as reproduzem, e escolhe-se intérprete que mais se pareça, ou melhor imite, física e vocalmente, as características do biografado. Deste modo, ficam preenchidos os itens de um informal e não escrito           caderno de encargos do gênero. “Cássia Eller – O musical” é a demonstração de como esses critérios são postos em prática. O texto de Patrícia Andrade trata a trajetória artística e pessoal da cantora, morta há 13 anos, aos 39 anos, como um retrato cronológico e expositivo, sem situações que o enquadre e contexto que o provoque. Como em pesquisa, em que se coletam fatos e  se estabelece ordenamento, a autora segue a linha de reportar acontecimentos e registrar presenças de circunstância, em paralelo à apresentação de repertório musical. A primeira experiência de sua sexualidade, a mudança da família do Rio para Brasília, as tentativas no teatro, os embates com empresários e gravadoras, a timidez, os relacionamentos amorosos, o nascimento do filho e a morte são contados em sequência, embalados por mais de três dezenas de músicas que acompanham cada tempo vivido. Cássia Eller não surge como personagem, mas como figura. Os diretores João Fonseca e Vinícius Arneiro contribuíram com falta de empenho em inventar dramaturgia cênica que não se limitasse a coreografia de atores-cantores em uma troca de cadeiras.  O cenário cavernoso de planejamentos pretos e os músicos escondidos no fundo do palco impulsionam ainda mais o visual sombrio, que nem mesmo a luz de Maneco Quinderé consegue vencer. O figurino de Marília Carneiro e Lydia Quintaes, que procura, sem muita inspiração, refletir a época e comportamentos, é complementado por inacreditáveis perucas. A qualidade da banda e da direção musical de Lalan e Fernando Nunes se destacam pelo som vigoroso, que o elenco – Mário Hermeto, Eline Porto, Evelyn Castro, Thainá Gallo, Jana Figarella, Emerson Espínola (uma cópia de Nando Reis) –, em coro ou solos, projeta com boas vozes. Tacy de Campos refigura Cássia Elller com timbre e gestual similares ao da cantora, numa interpretação de efeito espelho, que valoriza a voz da atriz e da homenageada, e deixa entrever a instrumentista de recursos. Em 2h30, Tacy incorpora Cássia em composição mimética, como se a revivesse em show nostálgico, parcialmente teatralizado, em que a personalidade artística é repassada pela outra, num diálogo evocativo que sensibiliza a maioria da plateia.            

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (4/6/2014)

Crítica/ Relações Aparentes

Comédia inglesa à brasileira
Comédia tipicamente inglesa, com estrutura que lembra o boulevard, gênero genuinamente francês, o texto de Alan Ayckbourn não escapa dos condicionantes de sua origem. E estes são os seus maiores méritos. Ao repetir as chaves de humor e a técnica de abordá-las que compõem narrativa, em que dubiedades, aparência e troca de papéis determinam o percurso do riso, o autor segue a prescrição de como usar, em boa dosagem, produto de consumo bem acondicionado. Dois casais, de faixas de idades diferentes, um jovem e ansioso, e outro, cinquentão e estabelecido, se encontram, por coincidências provocadas por erros de comunicação, em casa no countryside. O fato da garota ser amante do dono da casa, visitada pelo ingênuo namorado, que conhece a esposa e dona de casa dedicada ao marido e ao lar, aciona a trama, numa comédia de erros de pessoas em sequência. De início, Ayckbourn oferece pistas falsas, envolvendo a ação em clima duvidoso, armando a história com elementos que se desvendam ao longo da convivência dos personagens. Ainda que a meio dos mal entendidos o público já perceba o mecanismo das trocas e a óbvia recomposição do final, o que valoriza o texto é alguma ironia e tom espirituoso de raiz britânica. Para nós, muito dessas referências se perdem, o que não nos faz falta, mas reduz o humor às situações que o provocam. Os diretores Ary Coslov e Edson Fieschi parecem ter considerado essa atmosfera inglesa como ponto de partida, mas não a levaram muito adiante. A montagem está fixada  no desenvolvimento da ação, e no abrasileiramento das interpretações dos atores. O cenário de Marcos Flaksman é a mais destacada lembrança de onde e em que tempo teatral se deseja ambientar o espetáculo. Com realismo de detalhes, a cenografia reproduz a fachada de chalé inglês, com pátio, cadeiras e mesa para chás no verão, e indefectível telão pintado com paisagem campestre. Como a ação se passa na década de 60, o figurino de Marília Carneiro se ajusta à época, assim como a trilha sonora, um tanto interveniente demais, de Ary Coslov. No elenco é que se nota a linha mais nacionalizada que os diretores imprimiram à montagem. Frank Borges, demonstrando bom ritmo de comédia, exagera na caracterização do jovem algo obtuso. Tato Gabus Mendes regula os disfarces do amante pela máscara da comédia rasgada. Antonia Frering não consegue projetar a esposa, entre a ingênua e a esperta, senão com rigidez de atuação mecânica. Giselle Batista se apaga na medida em que a garota revela ser apenas o pivô de tudo. 

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Temporada 2014

Crítica/ Festa de Família
Crítica/ O Funeral
Celebração dos subterrâneos domésticos
Em 2009, Bruce Gomlevsky estreou Festa de Família, adaptação teatral de filme baseado no movimento cinematográfico dinamarquês, Dogma 95. Dois anos depois, a continuação no palco surgiria com O Funeral, que o mesmo Bruce apresenta ao lado de Festa, no Mezzanino do Espaço Sesc. Rever a montagem de há cinco anos, com modificações no elenco, e assistir à estreia do novo texto, consolidam a integridade autoral de dramaturgia de carga emocional e a persistência de direção segura. No primeiro texto, família se reúne para celebrar os 60 anos do patriarca, e em volta da mesa surgem os subterrâneos de sentimentos reveladores. Pedofilia, preconceito racial, violência doméstica e suicídio, num desfiar de hipocrisia e perversidade, de silêncio e agressão, de mentiras e verdades, numa sequência servida ao longo da refeição. Cada comensal é ator dessa celebração involuntária à verdade, integrantes da confraria de revelações encobertas, que explodem por entre rituais de dissimulação. No segundo texto, a mesma família se reúne, dez anos depois, em torno do funeral do patriarca, e as fraturas do passado são dimensionadas pela passagem do tempo, mas mantidas na mesma temperatura alterada. O reencontro não se dá sob a zona doméstica sombria da comemoração, já que agora, com os papéis delineados, os comportamentos são exacerbados, e a narrativa se utiliza de mecanismos previsíveis e dramaticamente mais fáceis (o determinismo genético na reprodução de atitudes e na presença do morto em diálogo com os vivos).  Bruce Gomlevsky tensiona na direção de ambos os textos, atmosfera que evidencia as dissonâncias individuais em meio a ritualização coletiva. As minudências de atitudes e gestos à mesa, em que a cada intervenção sofre o impacto do desvendamento do que fica encoberto pelos pratos servidos, pode ser compartilhado pelos 40 espectadores, colocados em proximidade de respiração. No elenco, Bruce dosa a pulsão interior do personagem, sem acentuar a sua carga emocional. Jaime Leibovitch desenha em traço fino o cinismo e o jeito bonachão do patriarca. Gustavo Damasceno não extrapola do tom sanguíneo do irmão, e Luiza Maldonado projeta a instabilidade da irmã. Carolina Chalita coloca-se em plano criteriosamente coadjuvante. Os demais atores – João Lucas Romero, Thiago Guerrante, Glauce Guima, Ricardo Ventura, Felipe Cabral, Luiz Felipe Lucas, Sofia Viamonte, Silvio Matos e Xuxa Lopes -  compõem o borrado quadro familiar.

O enterro da família terminal
 No espaço ao lado, também desenhado por Bel Lobo, acontece O Funeral, em que Bruce acentua a dramaticidade mais expandida da narrativa para sublinhá-la com trilha sonora, iluminação envolvente (Elisa Tandeta que assina a luz cria belos efeitos, como o do lago) e interpretações que reforçam o clima doentio. Bruce repete com pequenas variantes os conflitos de Christian. Jaime Leibovitch, apesar da irrealidade na qual flutua a voz do morto, sustenta a sua atuação. Luiza Maldonado revela o  tão pouco que as falas rascantes da irmã se modificaram. Gustavo Damasceno mantém o sangue quente do personagem, enquanto João Lucas Romero se encaixa bem, uma vez mais, como o cozinheiro. Xuxa Lopes encontra no corpo a variação do tempo e da fragilidade da matriarca. O garoto Raul Guaraná tem na sua infantilidade, o efeito que provoca a sua presença. Thalita Godoi, em que pese a cena em que se submete às provocações do sogro morto, dispensável pela sua gratuidade dramática, revela domínio na intensidade emocional da personagem. Carolina Chalita é quem registra as mudanças da criada para a esposa com maior adensamento, e quem se defronta, em detalhes de interpretação, com o desequilíbrio de família em fase terminal.