Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (27/4/2016)
Crítica/ “ OS Sonhadores”
Olhar jovem para as ruas de Paris 68 |
Dois irmãos franceses e um imigrante americano,
diante da Cinemateca Francesa, fechada em protesto contra a demissão do diretor
Henri Langlois, como não têm alternativa de assistir aos filmes, decidem viver
“a realidade intolerável do cinema”. E viver os filmes, significa reproduzi-los
com a rebeldia da transgressão, como correr por entre as obras de arte do
Louvre. Os jovens estão em 1968, a poucos dias do maio da ocupação das ruas,
experimentando a liberdade como algo de que se apropria, não como privilégio,
mas conquista. Diogo Liberano, autor da versão teatral do livro de Gilbert
Adair, que se desdobra em citações aos filmes de Bernardo Bertolucci e Jean-Luc
Godard, projeta o roteiro político-sentimental de uma juventude que cresce na
negação dos pais e se afirma na ação utópica. No percurso das revelações, os mais
velhos contrapõem conceitos em nome da prudência e os garotos descobrem as
pulsões do corpo por entre o invisível
que se esconde nos jogos de sedução. Livros, filmes, música são munições
da guerra, a princípio disputada como dúvidas interiores, em seguida, no campo
minado das desconfianças em relação ao mundo. Assistir da janela as escaramuças
que se desenrolam não impede que uma pedra/livro quebre a vidraça e atinja
frontalmente a natureza do que contam os romances e o filmes e que evocam as
músicas. Ir para as ruas, redimensiona as ficções das obras de arte e a
realidade dos atos simbólicos. É o que descobrem os jovens, personagens indissociáveis
de um acontecimento que os ultrapassa. Diogo Liberano assegura o domínio das situações
para compor o painel, ainda que nem sempre seja perceptível a que contexto se
referem. A sua dramaturgia se confirma como poética tátil. O diretor Vinícius
Arneiro referenda esses jovens sonhadores pela sensibilização visual, criando
imagens de efeito e movimentos de contrastes. As cenas se desenrolam em
quadros, compostos a partir dos contornos físicos da figura, que em câmara
lenta ou estruturada como volume, amplia a contundência das vozes. A
neutralidade do cenário de Aurora dos Campos ganha geometria com a iluminação
de Rodrigo Belay. A direção musical de Tato Taborda está longe se ser ilustrativa
ou complementar. Bernardo Marinho, Igor Angelkorte e Juliana David têm
desempenhos vivamente identificados com o que ocorreu com uma geração nas ruas
de Paris, há quase cinco décadas.