Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (6/4/2016)
Crítica/ “Guia
afetivo da periferia”
A adaptação cênica de Marcus Faustini para seu
romance “Guia afetivo da periferia” mantém a força expressiva de um itinerário
pessoal que se movimenta por variadas categorias urbanas, com sutis paradas sociais,
acompanhando o desejo de fluidez no trajeto. O garoto do subúrbio, vivendo nas
franjas da cidade que separa e nos limites a que distingue, percorre os
contrastes numa circulação que procura integrar. A percepção do menino,
impregnada de traços culturais de comportamento, é construída na cidade real e
ficcionada nos seus deslocamentos à procura de se localizar num espaço dividido,
e de onde não se sente apartado. A periferia é o lugar de que parte para descobrir
a si e expandir seu mundo, costurando laços entre a origem e a arte,
desvendando a geografia urbana como área de encontros. A versão teatral, dirigida por Faustini, recria
em forma de monólogo a mobilidade física que gerou o trânsito afetivo que se
desenvolve de Santa Cruz e carrega a esperança de diminuir as distâncias até
Ipanema. Sem nenhum proselitismo, estabelece vínculo entre fotografia realista
e sensações descritivas. O diretor transpõe, com recursos a vídeos e música, a
viagem emocional, revivida em ônibus e trens em incontáveis madrugadas. E
comenta com humor as diferenciações, tanto familiares quanto sociais, mantendo
a montagem em franca e direta comunicação. Mas a constante movimentação do ator
no palco, o obriga, com essa atividade ininterrupta, a fragmentar a tessitura
das falas. O cenário de Fernando Melo da Costa foi desenhado para atender a
essa agitação, com os volumes e gavetas dos muitos arquivos de metal sendo fartamente
utilizados. A iluminação de Aurélio de Simoni dimensiona a cena com timidez. O
macacão do figurino produz uma tipificação desnecessária. João Pedro Zappa
absorve, com disponibilidade interpretativa e visível adesão, o tom de conversa
do original. Apesar da aparência frágil e de algum distanciamento do universo de
que trata a narrativa, o ator vence a excessiva movimentação, e envolve a
plateia de poucos lugares nas múltiplas articulações sugeridas pelo texto.