Crítica/ A Propósito de Senhorita Júlia
Nacionalização dos papéis no secular jogo da paixão |
O fascínio que Senhorita Júlia, de August Strindberg, exerce sobre a cena contemporânea é inesgotável, não só pelo jogo de atracão e repulsão de casal de classes sociais diferentes, que submete suas emoções ao determinismo de seus papéis sociais, mas como veículo para encenadores atualizarem essa peleja, ampliando os conflitos atemporais. Personagens surgidos na Suécia do século XIX, se tornaram permanentes ao longo do tempo, muito menos pelas diferenças que distanciam a jovem rica do empregado pobre, mas pelo servilismo de cada um deles ao papel social que lhes foi imposto. A fixidez a que condenam sua paixão, sugere apenas a teia perversa que tramam contra si mesmo, ao vivenciar a atração física, traduzindo-a nos oscilantes papéis de dominanção e sujeição. A adaptação de José Almino e Walter Lima Jr., em cartaz no Teatro Nelson Rodrigues, escolheu transpôr a ação para o Brasil como decidida opção a referências nominais à vida política nacional (na cena inicial, a empregada doméstica cantarola o Hino Nacional em ritmo de samba), enfatizando a diferença de classe. Quaisquer outros aspectos são colocados em plano secundário para condicionar a narrativa à “luta de classes”. Com esta visão, algo restrita, o diretor Walter Lina Jr. conduz a encenação, sublinhando o que deveria estar subjacente, desconsiderando as entrelinhas para ressaltar, como evidência, a ação. Nesta visão algo redutora, a montagem reproduz uma confrontação linearizada, em detrimento da construção do jogo dramático, inerente ao original. Tal desencontro se manifesta, em especial, no elenco. Dani Ornellas, como a empregada, tem a personagem esvaziada da dimensão moralista, em favor da perspectiva religiosa. Armando Babaioff, leva o ressentimento do motorista como a única face do personagem, ainda assim, o ator empresta sua energia interpretativa, garantindo relativa flexibilização ao personagem. Alessandra Negrini tem atuação bastante limitada. As suas expressões faciais exageradas, e movimentração corporal inexpressiva, não permitem que consiga estabelecer com seus companheiros de palco verdadeira contracena.
Crítica/Os Altruístas
Lenise Pinheiro
Um autor à procura da contemporaneidade |
Nick Silver, sem ser exatamente o autor da moda, parece ser o do momento. Esse americano estende sua dramaturgia pelas sombras dos desajustados, dos desalojados sociais, de famílias desfuncionais, e falsos rebeldes à procura de uma causa. Cria, a partir dessas experiências, que se pretendem contemporâneas, um teatro de leve estranhamento, mas de indisfarçável base realista. O papel de crítico suavemente mordaz da contemporaneidade, não transforma Nick Silver num autor de exceção. É apenas um dramaturgo com habilidade de dosar visão decandentista com o humor de quem ironiza, com complascência, o que intenta reportar. A adaptação e direção do Guilherme Weber demonstram a sua admiração pelo autor, traduzindo na cena, com repetição de palavras, interpretação propositalmenrte afetada do elenco, e trilha sonora que remete a opostas teorias teatrais daquelas que se vêem no palco, adesão irrestrita ao universo de Silver. Tal admiração, no entanto, não é suficiente para que o texto alce vôo no Espaço Tom Jobim. O que é excessivo (a monotonia dos problemas dos personagens), o que é somente derivativo (a imagem da atriz de novela, precariamente transferida para um pastiche brasileiro), e o que pretende ser provocativo (as atitutes são banalizantes), indicam que Silver se repete, cada vez, em crescente diluição de seu universo. Weber sofistica a montagem com o cenário ascético de Daniela Thomas, contrapondo-o à extroversão interpretativa do elenco. Kiko Mascaranhas e Jonathan Haagensen ficam no extremo desta extroversão, afetados, quase caricaturais. Mariana Ximenes se empenha em realizar a intensidade nervosa da atriz de novela, mas num tom acima de voz e de composição física. Stella Rabello defende uma personagem dispensável, e Miguel Thiré se faz presente com uma atuação surdamente ardilosa.
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