sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

60 Anos do Tablado


Maria Clara Machado

Memória de O Tablado e de Uma Obra

2011 marcou os 60 anos de o Tablado, devidamente lembrados pela indicação ao prêmio especial do Shell. Fundadora e símbolo definitivo do teatrinho do Patronato da Gávea, que morreu há dez anos, Maria Clara Machado também teve edição de sua obra completa, pela Nova Aguilar, reunindo as 29 peças que escreveu ao longo de cinco décadas.  
Imagem definitiva do teatro para a criança
A dramaturgia para crianças estabelece com Maria Clara Machado o divisor temporal, a partir do qual as peças infantis se qualificam como textos teatrais de valor dramático intrínseco e linguagem verdadeiramente identificada com o universo da infância. A construção de autonomia expressiva para um gênero que, até então, se circunscrevia a autorias esparsas, deve ser atribuída a Maria Clara Machado como a “fundadora” de um corpo de textos que correspondem a um processo de apropriação das memórias da infância da autora. O teatro infantil, tal como se configurou em cinco décadas no Brasil, tem nesse núcleo autoral os elementos fabulares que, aliados ao tratamento quase poético, determinam uma outra perspectiva para a representação do imaginário da criança. Maria Clara Machado, desde os tempos de bandeirantes ensaiava através de pequenos textos para marionetes apreender os conflitos que o mundo real gera na criança, projetando na irrealidade da fantasia os meios, liberadores e libertários, de superação das inseguranças.
A formação católica de Clara se reflete em muitas das peças  com situações que apontam para educação rígida, encorpando com a presença de tias, em trio, autoritárias, caricaturais e defensoras de valores familiares – como aquelas de Maroquinhas Fru-Fru,  A Menina e o Vento e Os Cigarras e os Formigas -, as vozes que transmitem o mundo dos medos. O Boi e o Burro no Caminho de Belém, um auto natalino em que os animais da manjedoura não se apercebem do que acontece à sua volta. Falantes, o boi e o burro estão diante de um acontecimento do qual não conseguem ter a real dimensão. Os animais e os traços religiosos voltam em O Embarque de Noé, que na montagem de 1957, no Tablado, registra a atuação dos futuros críticos  teatrais Yan Michalski (Jornal do Brasil), como um pinguim,  e Barbara Heliodora, (O Globo) como uma girafa. Jonas e a Baleia, a última peça escrita por Maria Clara Machado, em parceria com a sobrinha Cacá Mourthé, o episódio bíblico tem tratamento de farsa, mas com indisfarçável e suave sentimento cristão de fraternidade.
As peças poéticas, aquelas em que a criança enfrenta os medos e faz percurso até a liberdade de saber quem é, confundem o onírico com o cotidiano. Em Pluft, o Fantasminha, a menina Maribel é seqüestrada pelo Perna de Pau e se defronta com uma família de fantasmas. Maribel e Pluft são crianças e, apesar dos planos diferentes em que vivem, revelam como as semelhanças as unem: aquilo que provoca medo (o fantasmagórico) também sente medo. O menino Vicente persegue a certeza de que seu pangaré é O Cavalinho Azul,  e buscar transmitir essa certeza aos outros não é uma mera forma de convencimento, mas tentativa de trazer todos para o sonho. Em A Menina e o Vento,  a personagem quer se despregar de tudo e soltar-se na cacunda do vento. Até mesmo em Rapto das Cebolinhas, peça menos sustentada por imagens poetizadas, a harmonia  pode estar num chá de cebolinhas tão eficiente que para saciar a fome do Nordeste, quanto como poção mágica do bem viver. O desajuste da pequena bruxa que não consegue exercer a sua natureza má em A Bruxinha que era Boa deixa de ser um condenação para se transformar em um processo de revelação de si mesma.
A inspiração nas histórias tradicionais – Chapeuzinho Vermelho, A Gata Borralheira, O Patinho Feio, João e Maria – é apenas base para que Maria Clara reinvente a trama, emprestando-lhe uma nova proposta  de fantasia. Na originalidade  de seus entrechos – O Diamante do Grão Mongol, O Aprendiz de Feiticeiro, O Dragão Verde, Quem Matou o Leão?, Um Tango Argentino, Tribobó City, entre outras – Clara deixou evidente que a sua obra não se restringe a uma platéia delimitada por idades. Investiu, ainda que esporádica e timidamente, em textos para adultos, como Miss Brasil, Referência 345, As Interferências e Os Embrulhos, todas com toques do teatro do absurdo. As transformações por que passou a autora – a psicanálise foi um dos pontos-chaves para que sua dramaturgia explorasse outros significados – deixaram intacta a capacidade de Clara criar com a magia e ilusão do teatro a fantasia da criança.

                                                               macksenr@gmail.com