Crítica/ Disney Killer
Híbrido estilístico alimentado por chocolates e bizarrices |
Disney Killer tem maiores pretensões do que verdadeiramente consistência dramatúrgica. O problema está em que se instala em zona estilística um tanto híbrida, perdida no vácuo entre o thriller psicológico e o drama de efeitos. O mundo criado pelos irmãos gêmeos, ele, apoiado por desejos reprimidos, ela, pelo medo de não ultrapassar a rejeição emocional, se alimenta de solidão, chocolates e supostos perigos do mundo. Na casa decadente em que vivem, desde que os pais desapareceram, resta apenas a expectativa de que o ambiente de finitude, imaginado no exterior, não atinja a finitude existencial que os irmãos estabeleceram para si mesmo. Confinados por decisão própria, nutridos por tranqüilizantes, lembranças infantilizadas, dissonantes vozes internas, recebem a visita de um entertainer , que tem como número especial de seus shows a degustação de baratas vivas. A narrativa de Philip Ridley, dividida em duas estendidas e desniveladas partes, expõe em diálogos prolixos a doentia relação dos irmãos, até a entrada do forasteiro, quando a cena se transforma em show de variedades bizarras. Há qualidades, sem dúvida, neste texto escrito na início da década de 90, mas que terão que ser referenciadas à época em que Ridley a escreveu. A estranheza dos personagens, o grotesco de suas atitudes, o sentido terminal de um certo modo de viver, são os indícios mais recorrentes de dramaturgia anglo-saxã do período, que disporia de exemplares mais consistentes nos anos seguintes. Darson Ribeiro apossou-se de Disney Killer, em cartaz no Espaço Sérgio Porto, como um projeto teatral de identidade autoral A direção e tradução circundam com evidente adesão o universo dos personagens, procurando não ressaltar tanto suas peculiaridades, mas buscando suas possíveis interioridades. A direção não conseguiu, no entanto, evitar os aspectos mais contundentes do original, aqueles que tornam datadas e exteriorizadas as características da trama. O cenário de Claudio Hanczyc, que faz leitura visual bastante criteriosa do texto, além de demonstrar boa execução, fica prejudicado na área do Sérgio Porto pela sua grande amplitude, e por não projetar o confinamento e a expectativa do que pode vir do exterior. Como ator, Darson se conduz com a mesma determinação com que dirige, enquanto Felipe Folgosi apreende, parcialmente, o mistério do visitante. Alexandre Tigano trata com excessiva rigidez de movimentos a figura do comparsa. Samantha Dalsoglio leva mais adiante e com bastante habilidade, a nervosidade e percepção dos limites para a condução das crises da personagem.
Crítica/ Os Datilógrafos
Chavões burocráticos ultrapassados pela tecnologia |
As peças do americano Murray Schisgal circulam pelo mercado teatral brasileiro desde os anos 60. Em duas décadas (60 e 70), foram apresentadas no circuito teatral carioca três exemplares – Amor em Três Dimensões, Putz, e O Tigre – que mostraram bem o alcance desse autor que obedece, disciplinadamente, as técnicas de playwriting. Sua dramaturgia segue normas pré-estabelecidas, reproduzindo convenções, repetindo fórmulas, e pouco mais. Com Os Datilógrafos, em cartaz no Solar de Botafogo, constata-se que o teatro de Schisgal acrescentou à sua rarefeita originalidade, a ação corrosiva do tempo. Já pelo título, percebe-se o anacronismo da trama, que, com ingenuidade e chavões narrativos, reúne dois funcionários que datilografam envelopes a serem enviados com publicidade da empresa. Os nomes são retirados do catálogo telefônico, e mesmo com a passagem do tempo, a dupla se mantém impassível na monótona e inútil função. O chefe, voz tonitroante fora de cena, parece tão burocrático quanto seus funcionários, se mostrando tão tolerante e mecânico quanto os subordinados. Ainda mais reduzida em suas limitadas qualidades pelo envelhecimento temático e ultrapassagem tecnológica, esta versão extemporânea (qual a razão para montá-la?) tem assinatura de Celso Nunes. A direção pouco empenhada, nada faz para trazer o texto, seja por vias nostálgicas, seja por tentativas de imprimir-lhe alguma sobrevida, ao espectador dos nossos dias. A montagem atual, somente acentua as deficiências do texto. Ao recurso ingênuo de marcar a passagem do tempo (da mudança do tipo de aparelho de telefone ao uso de ridículas perucas) e ao invólucro visual (o traço tradicional do cenário e o desencontrado figurino) se acrescentam o falso abrasileiramento da adaptação. O casal de atores – Paula Campos e Henrique Manoel Pinto – está tão desajustado interpretativamente, que não alcança, sequer, o anacronismo de seus personagens.
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