Crítica/ Turbilhão
Domingos de Oliveira, autor e diretor de Turbilhão, em cartaz no Teatro Sesc Ginástico, estabelece sua trajetória como dramaturgo e encenador através da constância e da variação do seu universo criativo. Se monta textos de pretensões filosóficas, equilibra-os com comédia de costumes, sucedidas por narrativas com impressões biográficas e comportamentos sociais. Os gêneros se distribuem em cada um dos seus textos como forma de encontrar a expressão ajustada ao tema. Nesta nova peça, a qual Domingos acrescentou o subtítulo de Jogos da Paixão e do Acaso, e criou a palavra teatrocine para definir seu estilo, o que melhor a aproxima de sua realização cênica é o espírito de comédia romântica à maneira do cinema hollywoodiano. A psicanalista, nada ortodoxa, que franqueia o seu consultório aos pacientes com liberalidade que confunde o método terapêutico com a vida particular dos analisandos, se enreda na paixão dupla por pai e filho. Sem que saibam, um e outro desconfiam da existência de um duplo na relação, alheios, a princípio, de quem os aproxima. Adotando tom de humor suave, com alguns diálogos de sabor agridoce, o autor desenvolve comédia que, no entanto, se enfraquece pela previsibilidade da trama. O diretor encontrou nas projeções, mais uma solução cenográfica do que propriamente linguagem narrativa. Ainda que em algumas cenas essas projeções ganhem relativo destaque, na maioria das vezes são apenas decorativas. Luana Piovani, uma bela figura no palco, demonstra segurança e presença interpretativa, que servem bem à improvável psicanalista. Jonas Bloch também circula com desenvoltura pelo pianista apaixonado e como evocação paterna, enquanto Pedro Furtado tem atuação correta como o filho. Duaia Assumpção vive com bom humor o permanente estado etílico da cantora decadente. Fernando Gomes faz um divertido paciente, e José Roberto Oliveira e Moisés Bittencourt têm participações menos destacadas.
Crítica/ Todos Os Cachorros São Azuis
O sentimento da vida entre a coreografia das grades |
O romance que inspirou a adaptação cênica de Todos Os Cachorros São Azuis, em cartaz no Teatro do Planetário, é a exposição de como a doença mental repercute na existência de quem mergulha em seus meandros insondáveis. A recriação literária de experiência profunda e indissociável da vida que circula por vias atormentadas da alma, e sofre com a impossibilidade de se integrar ao real. Rodrigo Souza Leão, autor do livro e esquizofrênico na avaliação psiquiátrica, escreve que há os que sabem viver, mas que aqueles que não o sabem, “têm apenas o sentimento da vida”. É esse sentimento da vida, interferido, doloroso, incompreensível, que as páginas do livro refletem e a versão teatral de Flávio Pardal, Michel Bercovitch e Ramon Mello reproduzem no palco. No desabafo, quase lamento, a voz vem do fundo de um grito surdo, que procura alcançar a própria região tortuosa de onde partiu. O diretor Michel Bercovitch orquestrou essa pulsão nervosa como um coral de cinco vozes, que se harmonizam na angústia de falar para o outro de si mesmo, sem se compreender, a não ser por fragmentos de um canto dissonante e descontínuo. Bercovitch distribui a palavra única pelo elenco, fracionando a fala para encontrar a unidade do sentimento. A direção de arte de Rui Cortez, que utiliza grades, que são movimentadas pelos atores, numa coreografia que acompanha os diversos momentos do aprisionamento e amplia a desconstrução do ego. A iluminação de Tomás Ribas apóia essa cenografia coreografada. Do elenco, as atrizes Bruna Renha, Camila Rhodi e Natasha Corbelino estão menos integradas à ambientação tensa da montagem do que os atores Ramon Mello e Gabriel Pardal, este com atuação mais íntegra e de maior intensidade.
Cenas Curtas
Já está no ar o site www.teatronteroi.com.br que recupera a história do teatro em Niterói, registrando a vida cênica da cidade, desde a formação dos grêmios dramáticos, no século XIX, até os dias de hoje. Com depoimentos de uma centena de atores, diretores, produtores e edição de imagens, cartazes, programas e videos, o veículo digital é um guia de fontes de documentos e de peças teatrais encenadas na cidade, como o musical Araribroadway, de 1981. As informações dos próprios profissionais sobre as montagens produzidas são cronologicamente listadas. O site, através de mecanismos de busca, inserção de fotografias, artigos, teses e informações biográficas, é fonte de pesquisa e será mantido em permanente atualização.
Com os editais patrocínios avaliados e as verbas sendo distribuídas, o teatro carioca está se inflando de produções sem o corresponde espaço para apresentá-las. Faltam casas de espetáculos para abrigá-los, o que obriga a temporadas cada vez mais curtas, algumas de apenas três semanas, outras de apenas dois dias na semana. Mas, lentamente, o panorama está mudando. Enquanto o Teatro Gláucio Gill é reaberto, depois de reforma, o Tereza Rachel foi arrendado por empresários que pretendem reintegrá-lo à cena carioca. O Teatro Villa-Lobos passa por remodelação de raiz, e deve ser reaberto ainda este semestre. O Dulcina, inteiramente restaurado, depois de um mês de programação especial de reinauguração, será ocupado, a partir de setembro, por companhia escolhida através de edital da Funarte. E o Teatro Ipanema, que vive melancólico processo de decadência artística, está sendo negociado para ser vendido à Prefeitura do Rio. Ainda ficam a definir, por entidades públicas e privadas variadas, o destino do Serrador, Mesbla, Manchete, Glória, Arena, Galeria, Copacabana, Barra, Fênix, Cidade, Delfin, Santa Rosa, BarraSopping, e das salas que deveriam ser construídas em shoppings centers, obrigação de lei municipal que parece não ter pegado.
Foram selecionados os finalistas do primeiro semestre da temporada 2011 do 24° Premio Shell de Teatro. Nas nove categorias foram escolhidos: autor: Pedro Brício (Me Salve, Musical) e Felipe Rocha (Ninguém Falou Que Seria Fácil); diretor: Gabriel Villela (Crônica da Casa Assassinada) e Daniel Herz (Adultério); ator: Charles Fricks (O Filho Eterno), José Mayer (Um Violinista no Telhado) e Gilberto Gawronski (Ato de Comunhão); atriz: Débora Olivieri (Rosa) e Letícia Isnard (A Estupidez); cenário: Fernando Mello da Costa (Um Coração Fraco), Márcio Vinícius (Crônica da Casa Assassinada) e Lipiani e Lidia Kosovsky (Um Dia Como Os Outros/ Cozinha e Dependência); figurino: Gabriel Villela (Crônica da Casa Assassinada) e Flávio Graff (Outside); iluminação: Aurélio de Simoni (O Filho Eterno) e Domingos Quintiliano (Crônica da Casa Assassinada); música: Marcelo Castro (Um Violinista no Telhado) e João Bittencourt e André Aquino (R&J de Shakespeare): categoria especial: Márcia Rubin pela direção de movimento dos espetáculos Escola do Escândalo, O Filho Eterno, A Lua Vem da Ásia e Outside; e Teatro de Pequeno Gesto pela publicação da revista Folhetim dedicada a Nelson Rodrigues e sua manutenção ao longo de 13 anos.
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